segunda-feira, 18 de março de 2013

A doença nossa de cada dia

Vou muito pouco ao pediatra, desde o segundo mês do pequeno percebi que as consultas mensais eram desnecessárias e acordamos que iríamos dar um espaço maior entre elas. O médico que nos atende conhece e respeita os meus posicionamentos e nunca cobrou uma maior assiduidade. Mas as poucas vezes que estou em um consultório médico, ou que converso com outras mães, percebo que todas - ou quase isso - tem um diagnóstico na ponta da língua. "Ele tem hiperatividade", "Ela dorme pouco porque tem terror noturno", " Ele  come muito porque tem um transtorno de ansiedade", "Ele não se concentra, tem deficit de atenção". Me pergunto que tipo de mutação alterou nosso DNA e produziu uma sociedade tão enferma. Ou que tipo de alteração social nos tornou uma sociedade tão preguiçosa. O diagnostico é algo espetacular na cidade moderna, a muleta perfeita. Tiramos de nós mesmos o peso das consequências de nossas atitudes e jogamos numa doença. Ela sustenta o corpo cansado e preguiçoso. Os nomes dos transtornos se multiplicam e passam a ser nossos sobrenomes. E, muito pior, o dos nossos filhos.
Estamos criando uma geração de preguiçosos, piores do que nós. Se somos incapazes de assumir nossas próprias angustias e problemas, temos ainda menos capacidade para nos responsabilizarmos pelas atitudes dos pequenos.A criança de hoje aprende, desde muito pequena, a andar apoiada na muleta do doença, a não pensar por si mesma e a culpar o mundo pelas suas próprias dores. Há muito não pensamos por nós mesmos. A mídia te diz o que comer, o que vestir, o que ouvir, o que criticar. As grandes empresas nos mostram o que precisamos. Precisamos do carro do ano, do Iphone 5 e de uma viagem para o exterior. Precisamos do iogurte para defecar, da suplementação de vitaminas para viver, do tênis com zero impacto para correr, do travesseiro da nasa para dormir. Precisamos de mucilon para nutrir nossos filhos, dos programas infantis para deixá-los atentos e quietos, da melhor escola para que "sejam alguém". 
E assim como a doença nos tira a responsabilidade sobre nós mesmos, nos tira a responsabilidade sobre a criança. É mais fácil culpar o deficit de atenção, que sentar com o filho e ajudá-lo na leitura. É mais simples aceitar que a criança não nos respeita porque tem um transtorno qualquer do que enxergarmos as nossas ausências. É muito mais prático jogar o poder de decisão na mão do médico que tomá-lo para si. A verdade  liberta, mas a liberdade tem um alto preço. E temos preferido não assumir esta conta. Abrir mão da medicação, do diagnóstico fácil, coloca em nós a responsabilidade de pensar, enxergar e decidir como agir. Nos dá a certeza que temos que assumir a consequência dos nossos atos. Nos tira a quem culpar. Nos arranca as muletas e nos faz assumir o peso dos nosso corpos. E carregar junto o dos nossos filhos. 
Recentemente escrevi sobre não ter filhos.Não tenha filhos. Não os tenha se você ainda não é capaz de sustentar o peso do seu próprio corpo. Se precisa de diagnósticos para se evadir da responsabilidade por si, não saberá ser responsável pelas atitudes do seu filho. A violência, a falta de atenção e TODAS as atitudes da criança tem origem em nós, pais. Somos nós que os ensinamos como enxergar o mundo, como agir e como reagir. Não apenas com o que falamos, mas, principalmente, com como agimos.Deixemos a preguiça e as facilidades de lado. Ter filhos não é fácil. Para que os ensinemos a pensar, precisamos de mais reflexão. Precisamos tomar as rédeas sobre nossa próprias vidas. Precisamos ser exemplo. Precisamos ser aquilo que queremos que nossos filhos sejam. 
Filhos não precisam da escola mais cara da cidade. Mas precisam de pais que sentem, estudem, leiam, pesquisem, compartilhem. Seu filho não precisa da roupa da moda, da marca mais cara. Mas precisa do seu abraço, do seu conforto, do seu carinho. Eles não precisam do melhor plano de saúde. Precisam de pais que os façam enxergar que uma mente sã faz um corpo são. Precisam de pais presentes. E precisam, principalmente de pais que assumem suas próprias fraquezas, dúvidas, responsabilidades e atitudes. Pais que percebem que o caminho mais fácil nem sempre é o melhor. Pais que saibam que a dor, o sofrimento e o esforço fazem parte da vida, nos moldam e ensinam melhor que a felicidade.Pais que se afastam do rebanho e escolhem seu próprio caminho. Pais inteiros para se doar.


2 comentários:

  1. Uau! Belo texto!

    Me identifiquei de cara, já que sou a "louca que não leva o filho ao pediatra". Só levo quando precisa. E o nosso "precisa" é uma ou duas vezes ao ano, quando rola algo mais sério.

    Tem uma pessoa muito próxima na minha família, um menino de 15 anos, que já foi diagnosticado com todo tipo de transtorno. De ansiedade, de hiperatividade, déficit de atenção e tantos outros... Aos 15 anos, usa três medicamentos tarja preta. Aqueles, de recomendação duvidosa, sabe?

    Só que, é visível a ausência dos pais. É visível que os problemas dele são uma maneira de escoar o problema da família. "Deixa que a psicóloga resolve"...
    Só que não resolve! Os problemas seguem e os pais se omitem.

    Todos os dias eu tento manter a clareza, enxergar por entre as linhas, sair do lugar comum. Sempre questionando, sempre questionando.
    Será que isso é necessário?

    Na nossa sociedade atual, não dá pra simplesmente fechar os olhos e se deixar levar. Nossos filhos precisam de pais conscientes e bem acordados!

    Beijos! Adorei o blog!

    ResponderExcluir
  2. Por aqui tb tentamos manter a clareza e enxergar além do óbvio, Debora.
    Que bom que gostou do blog!
    beijos!

    ResponderExcluir