terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O nascimento de Miguel - Relato do meu parto



“Para mudar o mundo, é preciso mudar a forma de nascer”. Essa frase de Michel Odent me guiou durante a minha gravidez, e me fez enxergar o quanto eu precisava lutar para dar um nascimento respeitoso à minha cria. Remei contra a maré, estudei, me informei, percebi que em um País onde a vida é um evento médico, e o nascimento é algo “perigoso” e “de risco”, uma mulher que quisesse parir como fêmea, precisaria de muito mais que vontade. Durante os 09 meses de gestação me empoderei e passei de “mãezinha” para mamífera, mulher, fêmea capaz de gestar e de parir. Desconstruí em mim o binômio gestação-doença, gestante-paciente. Não, eu não era paciente. Eu era protagonista da minha gestação e assim seria no meu parto. E o respeito que eu desejei e sonhei para mim e para a cria, só conseguiria dentro de minha casa, no meu lar. Na minha casa eu não seria a mãezinha do leito 4, não teria protocolos, tempo pré-determinado para nada, tudo seria no nosso ritmo, meu e do meu filho.Miguel não seria aspirado, por pura rotina, não ficaria em um berço chorando, sozinho, porque é o que facilita a rotina do hospital. Não, eu não admitia a palavra rotina. Nada seria feito por pura rotina. Esse era um nascimento único. Era meu filho, e não me importa se o médico tinha 40 ou 50 anos de profissão e fazia tudo “porque sempre foi assim”. Esse era o nosso nascimento, o nosso primeiro nascimento, meu e do Miguel. E assim foi.
Sendo o parto domiciliar ainda um tabu neste País, decidi guardar para mim e para o maridão a decisão sobre o parto. As pessoas são preconceituosas e cheias de achismos, não tem conhecimento das evidências científicas a respeito do assunto, e discussões sobre isso apenas me estressariam, além do mais as pessoas não entendem que o parto faz parte da vida sexual da mulher, não é um evento social em que podem estar presentes todos que querem: quanto menos luz,menos conversa, menos barulho, menos intervenção, melhor. O parto era meu, eu precisava, como toda fêmea, ajeitar meu canto, do meu jeito e parir.
 Isaac estava assustado com a ideia, mas aos poucos fui mostrando o quanto seria importante e saudável para nós. Eu chorava quando me imaginava indo para o hospital, chorava quando pensava que para o médico a agenda, o consultório cheio e o dinheiro no bolso seriam mais importantes que a fisiologia do meu parto, chorava quando sabia que meu corpo seria violentado com episo, rompimento artificial da bolsa, ocitocina artificial e toda sorte de intervenções, chorava quando me imaginava tendo um parto roubado e parando em uma cesárea, uma cirurgia de extração de feto, amarrada a uma cama, por conta de desculpas ridículas como “falta de passagem”, “falta de dilatação” ou “circulares de cordão”. No hospital eu precisaria me defender, em minha casa eu poderia me entregar.
Aos poucos as coisas foram se ajeitando, e o tão sonhando Parto domiciliar foi tomando forma, se mostrando financeiramente possível. A humanização pela qual lutei tanto durante a gestação se aproximava de mim. Deus abriu portas que eu nem acreditava. Só existia um problema, a minha parteira, um excelente enfermeira obstetra, não estava sequer no mesmo estado que eu. Calculamos tudo e fizemos uma estimativa de quando o filhote chegaria. Conversava diariamente com Miguel e pedia:”Filho, espera sua parteira chegar, não vem antes não.” Minhas 40 semanas se completariam em 16 de Agosto, e eu tinha fé que chegaria a elas, afinal, quem acompanhou a minha gestação sabe que eu estava amando a gravidez e o barrigão. Mas Miguel resolveu não esperar tanto. Assim como estava ansioso para ser concebido, vindo no primeiro mês de tentativa dos pais, ele também estava ansioso para me olhar nos olhos.  No final de semana senti diferenças no corpo, sabia que Miguel estava vindo. Sai com a família, almoçamos fora, aproveitamos a rua, porque, afinal, “sabe Deus quando eu teria tempo pra isso novamente”. Mas a coragem de me despedir da barriga não vinha. Eu chorava e pedia para o Miguel ficar mais, porque eu não conseguia me imaginar sem ele dentro de mim...ainda não me sentia pronta para a separação que era o parto. Mas ele estava pronto, e ele decidia. E decidiu. Na madrugada de terça-feira, 07/08/2012, fui ao banheiro e vi que o tampão mucoso havia saído. Eu sabia que, apesar de muitas mulheres passarem semanas sem o tampão, o meu só sairia para que eu entrasse em trabalho de parto. Liguei para Marcilha e para Dani(Rose Daniele, minha doula), e informei. “O Miguel tá vindo, perdi o tampão, perdi ele todo, saiu de vez”. Ambas me acalmaram e decidimos esperar amanhecer. Não dormi, começaram contrações irregulares e espaçadas. Não eram pródomos, eu sabia. Li muitos relatos durante a gravidez e a maioria das pessoas falava:”Quando é trabalho de parto, você sabe.” Pronto, eu sabia. As 07:00h as contrações vinham de 20 em 20 min. Minha mãe e minha irmã, pessoas que eu queria perto de mim no TP estavam trabalhando. Isaac estava em Salvador. Definitivamente, Miguel escolheu um dia complicado. Liguei para as meninas e a Marcilha decidiu adiantar o voo. Conseguiu apenas para 13:00. Sim, eu estava em TP e minha parteira estava em outro estado. Uma prima veio ficar comigo em casa enquanto a Marcilha e Dani não chegavam. As ondas das contrações vinham e nos 20min entre uma e outra a paz reinava. Doíam, mas ainda não era nada muito grande. Por voltas das 10:00hrs comecei a perder líquido. O TP engrenava e Marcilha me dava suporte via telefone. Eu sabia que Miguel iria esperá-la chegar. Minha mãe chegou, saiu do trabalho, com uma amiga enfermeira e eu solicitei um toque. Sabia que estava na primeira fase do TP e desejava saber como as coisas estavam. 3cm. O caminho a frente era longo. A dor passou a aumentar. Corri para o chuveiro, água quente, remédio divino. As dores vinham cada vez mais fortes. A coluna doía, o tempo passava e eu sabia que ainda faltava muito para Miguel chegar. Não queria comer, apenas água e um copo de suco. Pedi que minha mãe e minha prima enchessem a piscina comprada especialmente para o TP. Virei puro extinto. O corpo me dizia se eu queria sentar, levantar, deitar, gemer, grunir...eu apenas seguia. “Deus me fez pronta para parir, minha natureza sabe parir, eu vou parir!”.  A tarde a Dani chegou, quando a vi, abracei e agradeci a Deus sua presença. A doula é algo que toda mulher deveria ter ao lado para parir...as massagens, o apoio emocional. Nossa...caminhamos juntas pela casa, sentei na bola de pilates, cantei para Miguel... e assim a tarde foi acabando...eu tinha um dopler, que comprei no comecinho da gravidez e volta e meia eu monitorava os batimentos dele. Mas meu coração, meu instinto me diziam que ele estava bem. Não havia medo. Olhei para o relógio, eram 18:00hrs. Marcilha estava chegando, eu sabia que Miguel estava apenas esperando ela chegar. Déborah, minha irmã, chegou, me abraçou,  me deu apoio também. Não posso romantizar, a dor estava muito forte, em diversos momentos achei que não aguentaria. Mas minha doulinha estava ali pra falar:” Cada contração é uma a menos para ele chegar, você vai aguentar, está sendo forte, corajosa, to orgulhosa de você.”Minha mãe me segurava, minha irmã me apoiava. Estava num lindo circulo do feminino. Apenas mulheres, num momento regado a muita ocitocina. Eu lutei por esse parto, eu ia conseguir. Por volta das 19:30hrs eu percebi que as contrações haviam mudado, e eu estava entrando na transição...eu sentia que estava com dilatação total...a dor era de enlouquecer  eu queria que acabasse logo, as forças, depois de 12 horas de TP, já estavam se esvaindo. O bendito táxi parou na minha porta, era Marcilha, abriu a porta de casa, trocou de roupa rápido, arrumou todos os instrumentos que poderiam ser necessários. Olhei pra ela e gritei: ”Confirma que tô no expulsivo.” Ela fez o toque:”dilatação total”. Gritei:”eu vou fazer força, eu quero fazer força.”” Faça o que seu instinto mandar”. Era tudo que eu precisava ouvir. Na partolândia a gente se desconecta com o mundo. A cada contração eu fazia força e gritava:”Veeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem Migueeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeel”, “Veeeeeeeem filhoooooooooo”. Já não lembrava de vizinho, de barulho, de nada. Chamei meu filho e gritei e fiz força pra colocar ele no mundo. Achei que não ia conseguir, mas as mulheres ao meu redor me davam força. Miguel coroou. Pus a mão e senti a cabeçinha cabeluda. Gritei, fiz força. Só depois descobri que o danado estava com o bracinho na frente, e se fez necessário uma manobra, por isso demorou um pouco mais. Às 20:23h ele nasceu. Enorme, gordo, corado, saudável. Veio direito pro colo da mamãe. Lindo, coberto de vernix, super cabeludo. Olhou pra mim. Olhão escuro. Chorei...gritava eu pari, eu pari, ninguém roubou meu parto, eu pari. Beijava meu filho, abraçava ele, chorava. O cordão ainda pulsando...liguei pro pai, que já tinha chegado de Salvador, mas não tinha subido para casa e falei:”Sobe, vem ver, Miguel nasceu e ele é lindo!” Isaac subiu e ficamos os dois olhando e babando a cria. Pari, sem intervenções, sem episo,com o amor da ocitocina. Lutei como leoa, me senti leoa. Miguel não precisou ser aspirado, foi pesado apenas depois de 3hrs de vida, porque eu pedi. 3.830kg e 52cm. Nada de colírio de rotina, nada de picadas desnecessárias, nada de separação. Só colo da mamãe e leitinho. Nas primeiras horas de vida, mamou 25 minutos seguidos. EU PARI, ninguém extraiu meu filho da minha barriga. Eu venci, e EU PARI, numa piscininha, na minha sala, com as acompanhantes que me tornaram forte e segura, segurando a mão da minha mãe, da minha doula e da minha irmã. Ninguém me roubou a experiência mais rica que uma mulher pode viver. Nascemos, ali na sala, Miguel e eu.

3 comentários:

  1. Pqp, Mulher! Me botou pra chorar! Lindo, lindo, lindo! Só quem já passou por isso entende a grandeza de trazer um filho pro mundo, sem cortes, sem traumas, sem terrorismo.. Parabéns!

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  2. Parir é bom demais, né Paula? Só quem já pariu pode entender a beleza e magia desse momento!

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  3. Vc tem o contato da Marcilha!!? Sua parteira?!

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