domingo, 2 de novembro de 2014

Sobre o tempo ou Eles já nascem sábios.

Filhos chegam na vida da gente por um motivo. Sempre. A chegada de Helena foi uma surpresa. Mas ela tinha que vir, pra me ensinar que mudança de verdade é de dentro. Vem de lá do fundo. Me ensinou no parto. Me ensinou ontem. Vai ensinar ainda mais.
Ontem eu iria receber visitas, e como apaixonada por cozinha que sou quis aproveitar o ensejo para testar uma receita para um novo projeto. Saí pela manhã e cheguei a tarde com várias receitas pra fazer. Me pus na cozinha, ignorando que tenho uma filhota de três meses. E volta e meia ela chorava. Volta e meia eu parava tudo para colocá-la para dormir. Adormecida, colocava na cama ou entregava nos braços do pai. Mas ontem a minha pequena que sempre dorme no berço, na cama ou nos braços do pai, decidiu que só lhe serviam os meus braços. Assim passei a tarde revezando entre a cozinha e o colo. O saldo foi um naked cake duro, ressecado e sem gosto e uma menininha estressada, chorando e gritando porque não dormiu mais que trinta minutos seguidos.
Como já disse, filhos ensinam. Nascem sábios. Se permitirmos, eles transformam cada pedacinho de nós. Esta foi uma das piores semanas da minha vida. Começava o dia desejando desesperadamente voltar para a cama. Me arrependi de ter abdicado do salto alto, do trabalho, do tempo, do sono. Decidi que não queria mais. Que se encontrasse uma máquina do tempo avisaria à Elisama sem filhos, livre, leve e solta que filhos dão trabalho demais e que não vale a pena. Decidi que caí numa cilada e que, sem opção melhor, eu teria que seguir até o dia que finalmente me sentiria livre novamente. Não estou exagerando. Estou em casa, cuidando de criança faz dois anos. Quando a fusão emocional com o primeiro estava acabando, vem a vida e me empurra num novo puerpério. E prolonga em alguns anos a mudança que tinha prazo contado. A verdade é que não queria me entregar mais. Queria voltar a viver além da maternidade. 
Quem leu meu relato de parto sabe que Helena chegou me mostrando que existem mais tempos que os meus no tempo do mundo. Ontem, depois da tarde e noite de choro - meu e dela - aprendi que se estamos juntas nessa jornada, precisaremos harmonizar nossos tempos. Não importa se vivi os dois últimos anos dedicados a um filho. Ela chegou a três meses. E quer meu tempo. 
Desde que nasceu eu a vejo como um bebê de sonho, na maior parte do tempo. Passa horas entre uma mamada e outra, dorme a noite toda, mamando no máximo uma vez. Se deixa embalar e consolar pelo pai, facilmente. E eu não entendi que ela estava respeitando meu tempo, esperando apenas que eu também respeitasse o dela. No entanto o bebê calmo, tranquilo e de sonho, se transforma em um pesadelo quando chora.O choro gritado me desestabiliza. Me tira o chão. Quando ela chora, recusa o peito. Berra. Exige de mim algo que até ontem eu não sabia como dar. E foi no escuro do meu quarto, entre lágrimas e berros nossos que eu entendi. Entendi que ela precisa que eu me acalme para só depois acalentar. Percebi que dar o colo e o peito não é suficiente. Ela me vê por dentro. Eu, que nunca consegui meditar, nunca consegui um silêncio interior, me pus a desacelerar e esquecer. Esquecer a sala cheia, o filho mais velho, o bolo solado. Esquecer o horário. O tempo que vivi. Os planos e dias que viverei. Me pus a esvaziar a mente. Me pus a entender minhas reais prioridades.
Depois de um dia louco e alguns planos frustrados, percebi que é o momento que tenho que planejar menos. Ou melhor, não planejar nada. Agora, a mulher controladora e louca que sempre fui precisa aprender que o tempo é senhor dele mesmo, e não aceita controle. O novo projeto terá que esperar. Antigas parcerias também. Naquele quarto escuro percebi que não preciso pisar no freio pelos meus filhos. É por mim. É pela mãe de um menino de dois anos e pela puérpera. Pela mulher que fui. Pela mulher que serei. E pela primeira vez na vida dou tempo ao tempo. Ciente de ter me passado a lição que precisava, dormiu calmamente, a noite toda, o sono dos justos. Já falei e repito, eles nascem sábios.

Um comentário:

  1. É muita sorte ter a oportunidade de aprender com esses pequenos. Que o coração esteja sempre aberto às inquietações!

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