O parto me trouxe muitas mudanças. Não a chegada do meu filho, mas o parto em si. Pari dores, medos, frustrações, inseguranças, frescuras, preconceitos. Meu filho eu agarrei nos braços, o resto ficou ali, no misto de água e sangue na piscina. Pode soar estranho a quem nunca teve um parto respeitoso. Falo parto respeitoso porque parir normal da forma que acontece em grande parte dos hospitais Brasil a dentro não permite esta epifania. Pois bem, saí do parto transformada.
Por muito tempo fui a mulher moderna, como manda o figurino. Afogada em cobranças de beleza, trabalho, tempo. Reproduzia discursos que me foram impostos de maneira tão natural, desde criança, que acreditava veementemente que eram discursos meus. Interiorizava muitas das incapacidades impostas por uma sociedade machista e puritana. Sem perceber me espelhava no padrão da mulher de plástico. Quem quiser um bom texto a respeito, dá uma lida nesta publicação da TPM, incrivelmente excelente.
Mesmo passando por transformações imensas durante a gestação, muito ainda precisava ser transformado. E eis que veio o parto. Na hora que eu não esperava, do jeito que eu jamais imaginei que seria. Em meus sonhos meu filho seria aparado por mim, em um parto tisunâmico, quase indolor. Mas eu não estava preparada pra isso. Eu tinha muitas coisas para parir no meu parto, não dava pra sair tudo assim, escorregando feito quiabo. E nas horas que caminhei pela casa, tudo mudava em mim. Mesmo totalmente irracional - e pra parir precisamos mandar a racionalidade pra longe - tudo se transformou.
Depois de horas de dor, de bolsa rota, de mecônio, eu finalmente consegui por pra fora a fêmea feroz que sempre viveu reprimida em mim. A fêmea que enjaulei quando acreditei nesta sociedade asséptica, limpa, estéril. A fêmea que deixei de alimentar quando acreditei que a feminilidade cabia em saltos altos, pernas depiladas e "roupas sensuais". Mas o parto abriu a jaula. E ela saiu louca. E fizemos as pazes. E senti o cheiro de amor, de ocitocina e de sangue que estava no ar. Cheiro de mim. Descobri a doçura do cheiro de sangue. O sangue que por diversas vezes achei nojento, o líquido que acreditei ser um castigo mensal em minha vida. Não, o parto me mostrou que o sangue é meu e é bom. Aquele instante me faz agradecer diariamente a dádiva de ser mulher.
Parir doeu. Doeu muito. Mas toda a força avassaladora que estava em mim não sairia de maneira delicada. Precisava desta dor. E com a força que fiz, pus pra fora toda desconfiança que eu tinha que meu corpo não conseguiria. Deixei naquela água os medos que me impuseram durante toda a minha vida. Deixei de ser coitada. Saí do raso e fui fundo em mim. Vi muito além do que dizem ser uma mulher. Nesse olho no olho com a fêmea que sou, percebi que o corpo perfeito não cabe em números. Que perfumes não gostosos, mas que meus cheiros também são. Fiz as pazes com minha intuição, com meu poder e com meu sangue.
Inquestionavelmente saí do parto me sentindo poderosa, mais segura. Hoje pouco importa se meu cabelo cacheado não é considerado elegante, se minhas unhas não estão sempre feitas ou se meus sapatos de salto estão guardados em caixas no topo do roupeiro. Não caibo em padrões. Assim que pari olhei para aquele guri gordo e graúdo, respirei fundo e conclui que sou foda - não encontro palavra que consiga descrever melhor a sensação - e essa sensação ninguém consegue me tirar.