Lá vou eu começar mais um texto com "A maternidade". Mas não posso mentir, foi a partir dela que muita coisa se transformou em minha vida. Sempre ela. Pois bem, vamos nessa. A maternidade foi um divisor de águas em minha vida. Não somente pelo amor insano que me apresentou, mas por ter me apresentado a mim mesma. Tenho trilhado um caminho longo, por vezes doloroso, mas necessário, pra dentro de mim. Parei de dourar a pílula, de enfeitar situações dolorosas e constrangedoras, de mentir para mim mesma. Tenho me desnudado de uma maneira irreversível. Tratadas as feridas novamente abertas, tenho ressurgido na figura de um ser humano melhor.
Fui educada com a maioria das pessoas da minha geração. Aprendi a obedecer a base de cintadas e palmadas.Ouvi por milhões de vezes que não tinha querer. Ouvi que se não parasse de chorar, sem motivo, ganharia um "belo" motivo pra chorar. Aprendi que não deveria ameaçar, a base de ameaças. Fui treinada para reprimir o choro. E como toda criança, aprendi que a culpa sempre era minha. Era culpada por apanhar, por ficar de castigo, pela impaciência do adulto. Não tinha a oportunidade de argumentar, já que decisão de pai/mãe não se questiona. Antes que achem que meus pais eram criaturas terríveis, preciso esclarecer que não são. São seres amorosos e especiais. Me educaram da forma que acreditavam ser certa. Não foi por falta de amor. Mas por falta de introspecção. Faltou-lhes o momento de sentir suas próprias dores e medos. Faltou, a eles, o silêncio e a oportunidade de se conhecerem profundamente. Faltou-lhes instinto. Faltou-lhes instinto porque não é próprio de nenhum animal educar a cria com agressões físicas. Este é um comportamento nosso, dos seres ditos inteligentes e superiores.
Essas crianças reprimidas emocionalmente, crescem e tornam-se os adultos com quem convivemos diariamente. Tornam-se nós. Não sabem lidar com suas emoções, iniciam e terminam relacionamentos por faltar-lhes capacidade de dialogar. Reprimem suas dores, mentem - para os outros e para si -, enganam.
Digo que a maternidade me guiou para uma jornada interior, porque a responsabilidade de educar um ser humano me fez questionar tudo o que sou." O que quero que meu filho herde de mim? Em que quero que ele se espelhe? Quais dificuldades sonho que ele não tenha? E de onde essas minhas dificuldades surgiram?" Não demorei muito a concluir que o adulto que sou é fruto da criança que aprendi a ser. Se hoje tenho extrema dificuldade pra controlar a raiva, é porque não fui ajudada a lidar com minhas explosões infantis. Sei que a única vez que "esperneei" no mercado, apanhei e não repeti o comportamento. Se acho que ameaçar normal,é porque fui muito ameaçada pelas pessoas que mais me amavam no mundo. Se seguro o choro e nego meus sentimentos mais íntimos, é porque fui treinada a fazê-lo desde muito nova. Não, eu não quero que meu filho seja igual a mim. Não quero que tenha as mesmas dificuldades de relacionamento. Não quero que tenha a minha incapacidade de reconhecer o motivo de minhas angustias. Não quero que não saiba expressar o que sente, como sente. Não quero que viva a ponto de explodir. Não quero ver nele uma continuação de todas as minhas inseguranças emocionais.
Existe garantia de que vou conseguir? Infelizmente não. Mas já dizia Einstein, não há nada que seja maior evidência de insanidade do que fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes. Logo, se quero um adulto diferente, preciso fazer da sua infância diferente. Olhe ao redor. Observe o mundo. Algo está errado. Não há revolução que mude o cenário que vemos diariamente. Porque o problema está nos seres que fomos condicionados a ser. Não é óbvio que não podemos seguir os mesmos caminhos de nossos pais? Não seria insano fazer tudo igual e esperar que nossos filhos sejam pessoas melhores que nós? Quando reconheceremos que somos emocionalmente inacabados? Que temos corações em frangalhos como crianças abandonadas nos berços, chorando até adormecer?
Não sonho com a profissão que meu filho seguirá. Não me importo se será bem sucedido financeiramente. Minhas preocupações vão muito além do que a forma que a sociedade irá enxergá-lo. Me preocupa o que ele verá ao olhar no espelho. Que homem ele enxergará. Me preocupa se será emocionalmente seguro. Se saberá reconhecer suas tristezas e alegrias. Se lidará com as dores e frustrações de uma maneira sábia. Se chorará suas angústias se gozará com plenitude suas vitórias. Se terá empatia com o outro. Se será um ser humano melhor que eu. Estou no caminho certo? Talvez. Mas sei onde dá o outro caminho, e não é lá que quero chegar.