quarta-feira, 20 de maio de 2015

O dia em que a TV saiu de cena ou Meu filho de volta!

Eu não ia escrever sobre isso hoje, estava esperando completarmos uma semana de mudanças em casa, mas esse post quer sair agora e eu obedeço. Boa nova a gente espalha logo. Se deu certo aqui, não custa dividir, quem sabe dá aí também. Eu e minha mania de começar as coisas de trás pra frente. Vamos ao começo então.
Consegui manter a TV longe do nosso cotidiano nos dois primeiros anos de Miguel. Víamos um DVD ou outro, mas nada rotineiro, nada regular. Seguíamos bem. Helena nasceu e,com ela a necessidade  de manter o pequeno distraído e ocupado por um tempo. Começamos a ligar a TV 15 minutos por dia. Só um episódio. Só enquanto aproveito o cochilo da caçula pra preparar o almoço. Só mais um episódio. Só mais quinze minutos. Tem nada não,não vê propaganda, é no Netflix. Pronto, ela achou a porta aberta, se instalou no meio da sala, do nosso dia, da nossa vida. E meu filho já passava uma hora, ou mais, frente a ela. Antes, de prosseguir, preciso esclarecer algo. Amo séries, amo vídeos, sou louca por filmes. Ah, amo programas de culinária também. Tenho TV desde sempre e creio que terei para sempre. Mas foi necessário discutirmos nossa relação.
Voltando a Miguel. Meu filho tem um gênio forte, sabe o que quer, a hora que quer e do jeito que quer. Tem um certo problema em aceitar ordens e crescemos juntos trabalhando nisso. Mas nos últimos meses as coisas tomaram proporções apocalípticas. Eram quatro, cinco, seis explosões emocionais por dia. Uma agressividade e estresse assustadores. É o terrible two. É fase. Vai passar. Putz, tá piorando. Não, não ia passar. E não adiantava acender vela pra que tudo melhorasse sozinho. Eu precisava fazer algo, Analisamos o que tinha mudado na vida do pequeno nos últimos meses. O pai voltou a trabalhar fora, ganhou uma irmã. Muita coisa mudou, muita coisa pra digerir. Precisávamos ajudá-lo na adaptação da nova realidade. Estamos mudando a forma de falar e agir com ele, e isso tem trazido resultados incríveis - prometo que escrevo sobre isso em breve. Mas eu sabia da necessidade de tirar a televisão da cena. Mas como? Como seria possível não utilizar desse artificio quando se fica 24 horas por dia, 7 dias por semana com a criança? Sem escola, sem creche, sem babá, sem trabalhar fora? Como que eu ia respirar? E o tempo pra mim? Como iria distraí-lo? Decidi tentar. No final de semana ele não viu nada direcionado a ele, mas nós assistimos algumas coisas. Na segunda troquei a TV pela música. ¨Mamãe, não tá aparecendo nada". "É filho, hoje a música é só pra ouvir." Não achei que seria possível. Não achei que conseguiríamos. Mas cá estamos, ligando a TV apenas depois que os dois dormem! E, surpreendentemente, estamos vivendo dias deliciosos. Meu filho criativo, carinhoso e feliz voltou.  Assim, em menos de três dias. Ele voltou. Nos últimos três dias não precisei segurar meus monstros interiores nenhuma vez. Não quis bater nele, não entramos em confronto, não os descontrolamos. 
Sem o entretenimento pronto ele voltou a desenhar  várias vezes ao dia. Voltou a pedir o violão pra tocar. Tem brincado mais com a irmã. Tem estado mais calmo. Seu pequeno processador recém inaugurado não tem precisado processar informações demais. Não está sobrecarregado, não dá curto. Sua pequena vida tem tido cores mais naturais, mais vivas, mais sentidas. Não, eu não quero dizer que a televisão é um cão que suga a mente de criancinhas. Quero dizer apenas que a retirada dela fez milagres. Ou a entrada dela que trouxe caos. Não sei se todas as crianças são tão fortemente influenciadas pelo excesso de informação da TV, mas aqui, com meu filho, a relação será apenas de conhecidos. Visita rápida, bem esporadicamente. Talvez um filme, em família, um final de semana ou outro. Mas não a quero mais em nossa rotina.
Depois de encarar os fatos, tenho visto que nem tudo que reluz é ouro. Nem toda ajuda é tão bem vinda. Eu realmente achei que a TV era necessária e que quebrava um galho deixando o pequeno quieto por alguns minutos. Eu realmente acreditei que sem ela o dia seria ainda pior. Mas não. Os efeitos colaterais não valeram a ajuda. O tempo de paz não valia o estresse e a guerra no fim do dia. O silêncio precedia o esporro. Ainda não consegui elaborar tanta mudança. Talvez não tenha sido apenas o excesso de informação. Talvez a TV tenha nos distanciado mais do que pensei. Talvez ele sentisse um pouco de abandono ali, sentado, sozinho, de frente pra tela. Talvez seja tudo junto e misturado. O que posso dizer é que vale a pena escutar algo. Vale a pena deixar que suas cabecinhas de criança criem sua própria diversão. Estudos sobre os malefícios da dita cuja tem aos montes, espalhados por toda a internet. Essa semana a teoria, aqui, saiu do papel. Senti na pele. Nesse eterno ir e vir, avançar e retroceder da maternidade, sigo descobrindo o que nos faz bem e nos faz mal. Sigo costurando essa colcha de retalhos que me define, tecendo hoje, desfazendo o ponto amanhã. Não posso garantir o resultado final, mas o caminho, por si só, já tem valido a pena.

domingo, 2 de novembro de 2014

Sobre o tempo ou Eles já nascem sábios.

Filhos chegam na vida da gente por um motivo. Sempre. A chegada de Helena foi uma surpresa. Mas ela tinha que vir, pra me ensinar que mudança de verdade é de dentro. Vem de lá do fundo. Me ensinou no parto. Me ensinou ontem. Vai ensinar ainda mais.
Ontem eu iria receber visitas, e como apaixonada por cozinha que sou quis aproveitar o ensejo para testar uma receita para um novo projeto. Saí pela manhã e cheguei a tarde com várias receitas pra fazer. Me pus na cozinha, ignorando que tenho uma filhota de três meses. E volta e meia ela chorava. Volta e meia eu parava tudo para colocá-la para dormir. Adormecida, colocava na cama ou entregava nos braços do pai. Mas ontem a minha pequena que sempre dorme no berço, na cama ou nos braços do pai, decidiu que só lhe serviam os meus braços. Assim passei a tarde revezando entre a cozinha e o colo. O saldo foi um naked cake duro, ressecado e sem gosto e uma menininha estressada, chorando e gritando porque não dormiu mais que trinta minutos seguidos.
Como já disse, filhos ensinam. Nascem sábios. Se permitirmos, eles transformam cada pedacinho de nós. Esta foi uma das piores semanas da minha vida. Começava o dia desejando desesperadamente voltar para a cama. Me arrependi de ter abdicado do salto alto, do trabalho, do tempo, do sono. Decidi que não queria mais. Que se encontrasse uma máquina do tempo avisaria à Elisama sem filhos, livre, leve e solta que filhos dão trabalho demais e que não vale a pena. Decidi que caí numa cilada e que, sem opção melhor, eu teria que seguir até o dia que finalmente me sentiria livre novamente. Não estou exagerando. Estou em casa, cuidando de criança faz dois anos. Quando a fusão emocional com o primeiro estava acabando, vem a vida e me empurra num novo puerpério. E prolonga em alguns anos a mudança que tinha prazo contado. A verdade é que não queria me entregar mais. Queria voltar a viver além da maternidade. 
Quem leu meu relato de parto sabe que Helena chegou me mostrando que existem mais tempos que os meus no tempo do mundo. Ontem, depois da tarde e noite de choro - meu e dela - aprendi que se estamos juntas nessa jornada, precisaremos harmonizar nossos tempos. Não importa se vivi os dois últimos anos dedicados a um filho. Ela chegou a três meses. E quer meu tempo. 
Desde que nasceu eu a vejo como um bebê de sonho, na maior parte do tempo. Passa horas entre uma mamada e outra, dorme a noite toda, mamando no máximo uma vez. Se deixa embalar e consolar pelo pai, facilmente. E eu não entendi que ela estava respeitando meu tempo, esperando apenas que eu também respeitasse o dela. No entanto o bebê calmo, tranquilo e de sonho, se transforma em um pesadelo quando chora.O choro gritado me desestabiliza. Me tira o chão. Quando ela chora, recusa o peito. Berra. Exige de mim algo que até ontem eu não sabia como dar. E foi no escuro do meu quarto, entre lágrimas e berros nossos que eu entendi. Entendi que ela precisa que eu me acalme para só depois acalentar. Percebi que dar o colo e o peito não é suficiente. Ela me vê por dentro. Eu, que nunca consegui meditar, nunca consegui um silêncio interior, me pus a desacelerar e esquecer. Esquecer a sala cheia, o filho mais velho, o bolo solado. Esquecer o horário. O tempo que vivi. Os planos e dias que viverei. Me pus a esvaziar a mente. Me pus a entender minhas reais prioridades.
Depois de um dia louco e alguns planos frustrados, percebi que é o momento que tenho que planejar menos. Ou melhor, não planejar nada. Agora, a mulher controladora e louca que sempre fui precisa aprender que o tempo é senhor dele mesmo, e não aceita controle. O novo projeto terá que esperar. Antigas parcerias também. Naquele quarto escuro percebi que não preciso pisar no freio pelos meus filhos. É por mim. É pela mãe de um menino de dois anos e pela puérpera. Pela mulher que fui. Pela mulher que serei. E pela primeira vez na vida dou tempo ao tempo. Ciente de ter me passado a lição que precisava, dormiu calmamente, a noite toda, o sono dos justos. Já falei e repito, eles nascem sábios.

domingo, 14 de setembro de 2014

Recomeços.

As gotas de leite pingando no chão me diziam que eu estava mais uma vez parida. Era a minha primeira semana sendo mãe de dois. Estava no banho, olhei para a barriga, então "vazia" e chorei. Não era um choro de tristeza, nem de felicidade. Era choro de puérpera. Choro de quem passou nove meses sendo dois, e tornava-se novamente uma. Recém-parida e recém nascida. Porque no parto também nasce uma mãe. Até então me conhecia como mãe de Miguel. No parto nasceu a mãe de Helena. Nasceu com dor, com lágrima, com descontrole. Nasceu como tinha de nascer. 
Nunca duvidei que amaria minha filha. Nunca achei que a amaria menos que a Miguel. Mas em momento nenhum tive noção do que amar a dois filhos significa. Amar aos dois é algo transcendental. Não dividi meu coração, ganhei outro. Vê-los juntos faz tudo ganhar sentido. Cada vez que a pequena ri para o irmão me faz conhecer um sentimento que só a mãe de dois pode ter. Mas nem tudo é lindo, é romântico, é ideal.
Nos primeiros dias com a pequena Miguel me rejeitou. Negou meu abraço. Não quis o meu colo. Conheci uma dor que nunca tinha sentido. Chorei imaginando que não daria conta, que ter dois filhos era uma loucura. O olhar de menino traído me atingia profundamente. Como eu pude fazer isso com ele? Como pude ceder seu colo para uma estranha assim? Depois de dois dias ele me permitiu um  abraço. Tímido, contido. Agarrei meu filho com força e chorei. Mais uma vez.  Porque puérpera, recém nascida que é, chora. Chorei dizendo que o amava e que o bebê que agora mamava nos seios que foram dele tinha vindo para a nossa casa para abençoar e multiplicar o que tínhamos. Falei para ele (e para mim) que não havia divisão. 
Hoje, quase dois meses depois de parida, aprendi que o segundo filho vem como precisamos que seja. Vem porque a família precisa de ainda mais amor. Vem porque tem muito a dar e ensinar. Vem para completar. Senti medo de não dormir nunca mais. Minha filha veio com um sono tão gostoso e tranquilo que dormir ao seu lado me faz dormir melhor que antes de sua chegada. Sua energia calma adoça o dia. O segundo puerpério é mais leve, menos tenso, menos assustado. Não tenho a vontade de ser a mãe perfeita. Não tenho medo de não saber o que fazer. Meu corpo já gestou e pariu dois. Já alimentou um. Sei que sou capaz. Gasto menos tempo lendo sobre maternidade. Passo mais tempo vivendo a maternidade. Duvido menos, acredito mais. Sei que bebês choram e que, por vezes, me resta abraçar, amar, consolar. Os momentos de colo são melhor aproveitados. No colo agora cabem dois. E no chuveiro somos três.
Como disse, nada é perfeito. Os dias seguem oscilando em dias muito fácies e realmente incríveis e dias de piração total.Por vezes são dois choros, ao mesmo tempo, e tenho que escolher a quem atender primeiro.São duas demandas diferentes. São dois seres diferentes me tornando alguém que ainda estou conhecendo. No puerpério conhecemos o bebê e nosso novo eu.
Pois agora sou mãe de dois. Tenho dois corações batendo forte no peito. E dois pedaços de mim no mundo. Tenho dois motivos para acordar. Dobrou o amor dentro de casa. Dobrou o choro. Dobrou o riso. O dobro de vontade de fugir. E de razões para ficar. Duas vezes mais beijo, mais dengo, mais carinho. Duas vezes mais cheiro de vida. Mais vida. Dois Sóis iluminando e aquecendo a fria solidão do pós parto. Cá estou, com um recomeço nos braços e entendendo que a vida tem suas próprias razões.  


domingo, 27 de julho de 2014

Relato de parto - Nascimento de Helena

Há uma semana Helena vinha. Aos poucos, no tempo dela, pra me ensinar que cada vida tem seu tempo e que nada está sob meu controle. Foi no domingo que tudo começou. Foi na noite de domingo que nossa jornada se iniciou, hora juntas, hora separadas. Ela para fora e eu pra dentro de mim. Mas não dá pra começar este relato pelo final, então vamos pro começo.
Quem acompanha o blog - se é que há algo para acompanhar, visto que tenho escrito tão pouco - sabe que não planejei esta gravidez. Helena veio porque queria vir, porque precisava nascer de mim. E eu dela. Durante a gravidez esquecia que estava gravida, absolutamente voltada aos cuidados com Miguel, hoje com 23 meses. Só não esquecia do parto. Porque ativista é assim, adora parto, adora parir, adora planejar o implanejável. Eis que planejei cada detalhe. Como não sabia onde estaria morando no final da gravidez - longa história, fica pra outro dia - decidi parir em Salvador, na casa da minha  doula-amiga-sócia. Contratei fotografa amiga e ativista. Convidei uma amiga, também ativista pra cuidar do meu pequeno e estar por perto também. Contratei a parteira mais tranquila e "hands off" que podia existir. Piscina, bola, banqueta. Era isso. O parto seria perfeito.
Para falar do meu segundo parto, não posso deixar de falar do primeiro. Do meu renascimento, da minha passagem para um mundo novo. A mulher que gestou Miguel não era uma ativista do que quer que fosse. Entendia o básico de parto. Bancou uma parteira que veio de São Paulo enquanto estava em trabalho de parto. Queria apenas parir, não importava mais nada. E conseguiu. Mas a mulher que gestou Helena queria o parto perfeito. Queria ser amiga da dor. Queria mais que parir. Queria o parto que seguisse o script. 
Como disse, pari na casa de uma amiga. Com quase 38 semanas nos mudamos para casa de Lu sem prazo para voltar. Na sexta-feira as amigas organizaram um lindo chá de bençãos. Muito amor, muita ocitocina e muita energia positiva. Helena viria num mundo de amor. Com a virada da lua o sábado foi de pródomos, contrações irregulares, moleza. E o domingo veio com leves cólicas. Cólicas que eu conhecia. Meu corpo me dizia que era o trabalho de parto vindo. Avisei a todas as envolvidas e ao marido: " Vou parir hoje ou amanhã, eu sei." E assim foi. No domingo a noite as contrações se ritmaram. As cólicas leves vinham com dor. Era o tão sonhado parto perfeito vindo. Arrumamos o quarto, escuro, iluminado com velas, bilhetinhos emanando boas energias "dazamiga parideira" nas paredes. Músicas cuidadosamente selecionadas. Piscina cheia, bola para apoiar. Aquela dorzinha do começo, que mostra que o corpo tá funcionando bem, que a hora está chegando. Chegaram a parteira e a fotografa. A minha irmã e a minha amiga. Estava tudo pronto, era só parir. 
As horas foram passando, a madrugada entrando. Pedi pra ficar só. Precisava me conectar comigo, com minha filha. Mas algo estava errado. Eu queria sentir novamente o que a mulher que pariu Miguel sentiu.Eu queria me entregar, ficar cega, surda. Queria me drogar de ocitocina. Mas não tem botão pra isso. Não dá pra desligar a racionalidade. Não dava pra deixar a ativista atras da porta. Eu não conseguia não pensar. Mas como era possível? Como que eu não conseguia sentir o trabalho de parto? Todas as vezes que ficava só, dormia. A racionalidade era tanta que eu sabia quando comer e o que comer. A clara sensação de que eu estava vendo tudo de fora não me abandonava. E isso me incomodava.
A cada ausculta viamos que apesar de tão desconectada com o parto, Helena fazia a parte dela. Estava descendo no seu ritmo, seguindo lindamente sua jornada. Se em minha cabeça o parto não estava acontecendo, no meu corpo a vida seguia seu rumo, como tinha de ser. Eis que amanheceu. O raiar da segunda me trouxe uma enorme sensação de fracasso. E me pus a chorar. Chorei como criança que vê seu castelo de areia, tão cuidadosamente arquitetado, desmoronar na força da maré. Chamei de cansaço, mas aquele era um choro de frustração. Chorei falando que não aguentava mais a dor, porque não aguentava mais tanta coisa fervilhando na cabeça, chorei porque não conseguia saber o que fazer. Eu, que utilizo o toque no colo do útero como método contraceptivo não conseguia me tocar! Estava tão desconectada que me tocava errado! Eu, que contratei a parteira falando que não queria que ela encostasse em mim, perguntava o que fazer! Não conseguia ouvir meu corpo, saber em que posição ficar, não conseguia sentir nada além da dor. Era muita frustração para um parto só. Nada estava como planejado, nada estava certo.
Miguel acordou, me viu, me deu beijo. Marido deitou um pouco comigo, me abraçou. Em todo o trabalho de parto, este momento me marcou muito. Eram os meus amores. Eles estavam ali, sem expectativas, pouco se importando se o parto seria rápido e lindo ou não. Eles tinham amor puro e calmo. Importava apenas que eu estivesse bem. Amor renova.
Depois de tanta frustração,resolvi mandar o parto perfeito pra longe. Vocalizar uma ova, eu queria mandar pro inferno. Aquela porra de dor não era minha amiga. Gritei, xinguei. Soltei um caralho que vinha da alma. Fui pro chuveiro e surtei. Surtei, bicho ferido. E pela primeira vez em todo o trabalho de parto eu estava inconsciente. De dor, de frustração, de raiva. Gritava feito louca. Me permiti odiar a parteira, as amigas, todas as ativistas do mundo, toda a ciência do parto. Espumei de raiva. Bradei. E ali, naquele ataque de ódio o restinho do colo saiu. Ali Helena desceu e ali eu quase pari. Mas a maldita ativista cabeçuda voltou com a baboseira de amiga da dor. Contive o animal ferido e voltei pra piscina, numa vibe: " dor, eu te aceito e blá, blá. blá." Me toquei. A bolsa não estourava e tinha formado uma bossa. Sentia a "bolha" ali, na saída, feito rolha, tapando o canal. Agora esperar a contração vir forte o suficiente para estourar a bolsa. Da forma que ela estava dificilmente viria empelicada. Eu estava exausta. Exaurida. Tanila, a parteira, viu o quanto eu estava fraca e sugeriu um pouco de soro glicosado. E colocamos soro em minha veia. Desanimada, abatida, cansada e novamente consciente pedi que ela rompesse a minha bolsa. Recebi de pronto uma negativa firme. "Não". Depois de reanimada pelo soro, conversamos novamente. Eu não tinha mais forças. Eu precisava continuar, mas não aguentava mais toda aquela dor. Não dava para esperar aquela bexiga na saída do meu canal estourar sozinha para só depois parir. Eu precisava de ajuda. Frustrada e ferida solicitei uma intervenção. Eu, que tinha planejado o parto mais "hands off" possível. Eu que tinha planejado tanto. Também muito frustrada ela aceitou: " Vou ter que fazer um toque - algo que eu não queria nenhum, de forma alguma - e preciso fazer isso durante a contração. Vamos andar, vamos mudar a posição, ela vai estourar sozinha.". "Não, Tanila, eu quero agora.". Nós duas, cada uma frustrada a sua maneira, aceitamos aquela intervenção. E muito rapidamente a bolsa rompeu. Ali, naquele momento eu entendi tudo. Ali, depois da ultima gota d'agua para o desmoronamento do meu parto perfeito, ali, depois de uma intervenção eu entendi. Em tantas horas eu estava parindo um parto, não minha filha. O parto é meio, não fim. O ativismo te enche de expectativas e te faz esquecer que o parto é uma via de nascimento. Eu estava ali para parir a minha filha! Assim que a bolsa rompeu eu senti a cabeça de minha filha descer, com uma contração. Assim que a contração foi embora, levantei, ainda com soro, mas com as energias revigoradas. Levantei pedindo a banqueta. 
Eu ia colocar Helena no mundo na próxima contração. Ela ia nascer. E a banqueta chegou junto com a contração. Sentei torta, cega, surda, louca. Sentei fazendo força e já com a cabeça da pequena saindo. E em mais uma contração ela estava em meus braços. Grande, gorda, cabeluda. Linda. Olhei pra ela e entendi que tudo aquilo foi pra que eu entendesse que era ela o motivo de estar ali. Foi assim, quando realmente resolvi parir, a parteira estava no banheiro lavando a mão e teve de vir correndo, a fotografa longe e quase perde o grande momento. De supetão, de surpresa. Ela queria nascer. Ela só queria que eu também desejasse seu nascimento. Ela querendo vir ao mundo e eu querendo o parto lindo e perfeito.
A placenta caiu no chão menos de cinco minutos depois. Um ploft que também me aliviou. Pedi que a pegassem. Beijei e agradeci. Agradeci àquela que cuidou da minha pequena dentro de mim. Agora era comigo. Marido e Miguel chegaram, recebi beijo, abraço e vi que agora éramos quatro. 
Ah, filha, obrigada. 
Obrigada por me ensinar que parir é perder o controle. 
Obrigada por vir no seu tempo, pra me mostrar que existem mais tempos que os meus no tempo do mundo. 
Obrigada por ter feito sua jornada enquanto eu me perdia nos devaneios e planos de mulher controladora.
 Obrigada por vir de mim. Tinha de ser assim. Tinha de ser eu, tinha de ser você.