segunda-feira, 24 de março de 2014

A Helena, com amor

Esta é uma carta a você, filha. Uma escrita que está dentro de mim desde que descobri esta gestação, desde que senti que aqui, em meu ventre, crescia você. Sim, filha, nós, mulheres, temos um sexto sentido, uma ligação especial com o mundo e com nosso corpo. E meu corpo me disse, em meio ao turbilhão que chegou com você, que em mim crescia uma força diferente, única e poderosa: uma fêmea.
Não vou te pedir perdão pelas lágrimas de tristeza que derramei - e que, por vezes, derramo.Elas foram sentidas, vividas e legítimas. Lavaram a alma e hoje, claramente, posso enxergar porque a vida me trouxe você.  Hoje, ao confirmar o que minha intuição me dizia, aceitei, de coração aberto, como até agora não o tinha feito. E te agradeço por ter escolhido nascer de mim. Te agradeço por me permitir viver o florescer de uma alma feminina, da forma que jamais vivi, livre.
Sim, filha, te ensinarei o feminismo. Mas não esse feminismo que nega a nossa natureza, as nossas diferenças, o nosso poder. Não, meu amor, não te ensinarei a negar a beleza de ter um útero, de gestar, de amamentar e de sangrar todos os meses. As torpezas do patriarcado não entrarão em nossa casa. Aqui amaremos sempre nossas curvas, nossos cheiros e nosso corpo. Não te falarei para fechar as pernas, sorrir contida ou se reprimir. Aprenderemos juntas que nada nos é proibido. O mundo é nosso. O sexo frágil não nos define. Não somos princesas. Não, você não é, e não será uma princesa. Você será o que quiser ser. Brincará de boneca, mas também de bola, de pipa e de carrinho. Vestirá rosa, mas também azul, verde, amarelo e todo o arco-íris que seu gosto e tom desejarem.
Por vezes, durante minha infância e adolescência, chorei envergonhada, desejando ser um menino. Ah, filha, te prometo lutar para que este fantasma jamais te ronde. Porque ser mulher é um presente. E sei que cada dia seu me fará enxergar o poder feminino como nunca vi. Te ensinarei a se amar. A entender que somos iguais aos homens em direitos, mas somos seres completamente diferentes.Temos com este universo uma ligação que os homens jamais terão. Geramos vida. Sentimos a vida. Cheiramos a vida. Intuímos, parimos, amamentamos. Nossos ciclos se conectam com a natureza. Nossas almas guardam segredos seculares. Somos impares, somos únicas. Somos fêmeas. Sem dúvida, guardamos em nós uma beleza sem tamanho.
Ah, a beleza. Quero te dizer que o mundo está louco. Que conceitos como beleza se misturaram com terríveis padrões distorcidos que nos aprisionam e oprimem. Mas acredito que posso te mostrar que independente do tamanho do seu nariz, do numero do seu jeans ou dos seus cabelos você será bela. Porque a mulher que ama o poder que carrega em si exala uma beleza indescritível. Ser mulher é belo, simples e complexo assim. Valorizaremos juntas cada detalhe dos nossos corpos imperfeitos e neles descobriremos a verdadeira perfeição. 
Te ensinarei, acima de tudo, a respeitar e ser respeitada. Exigir respeito, infelizmente, em nossa sociedade, ainda é necessário. Ainda vivemos em mundo no qual vítimas são culpabilizadas. Ainda somos diariamente bombardeadas por um sistema defasado e opressor. Mas nos protegeremos. E protegeremos a todas, porque unidas somos mais, podemos mais. 
Obrigada, minha cara, porque te libertando, libertarei a mim mesma. Aceito a responsabilidade de deixar para o mundo uma fêmea consciente de si e de seu poder. Aceito a nossa missão. E já te peço perdão. Perdão porque falharei inúmeras vezes. Mas posso te garantir que cada falha será movida por uma descomunal vontade de acertar, será regida por um amor sem limites.
E que você venha, Helena, resplandecente e luminosa, iluminando o mundo, como significa seu nome.
O mundo é bão, filha, o mundo é seu.