segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A menininha invisível

Hoje presenciei uma cena que me incomodou. Daquelas que fazem a gente refletir sobre um bando de coisas. Como de costume, saí no fim de tarde para caminhar com Miguel. Moramos em apartamento e, por mais que eu brinque bastante com ele ao longo do dia, nada como andar na grama e correr atrás dos cachorros dos vizinhos. Em meio a nossas andanças me sentei e deixei que o pequeno explorasse o mundo ao redor. Enquanto ele andava, pegava flores, arrancava folhas e corria sem ao menos olhar pra trás - com toda aquela segurança que me juraram que o colo farto lhe tiraria - um pequena de menos de três anos me fazia companhia. Ao ver meu filho se afastar, me perguntou, com sobrancelhas franzidas e olhar curioso:
 - Tia, pra onde ele vai?
 - Mexer na plantinha e ver as coisas por ali - como ele começava a se afastar muito do meu campo de visão eu o chamei. A pequena ouviu e começou:
 - Não vou lá, deixa ele no perigo sozinho. 
Entenda-se por perigo se afastar da mãe. Eu permaneci calada, observando aquele serzinho tão falante.
 - Ah, eu vou lá. - Disse, já caminhando em direção ao meu pequeno.
O que aconteceu depois daí que me incomodou, cutucou e entristeceu. Com um ar determinado, mas com uma certa raiva, ela agarrou meu filho pelo braço. Assim, sem calma, sem delicadeza, sem doçura infantil. Simplesmente o agarrou e saiu arrastando, pra perto de mim, enquanto falava:
 - Venha cá! Pronto, agora senta aqui e fica aí! - colocando-o sentado ao meu lado.
Meu filho é grande, quase da mesma altura que ela, e bem fortinho, mas diante do choque que a situação lhe causou, ele se deixou arrastar, com um olhar confuso, tentando entender o que aquela pequena criança estava fazendo. 
Fiquei ali, parada, boquiaberta. Aquela criança trouxe meu filho da única forma que ela achava possível. Ela lidou com ele como o seu cuidador, talvez a mãe, lidaria com ela em situação semelhante. Não pude deixar de me perguntar o que estamos fazendo com nossas crianças. E que adultos deixaremos para o mundo. Poderia falar de muitas coisas que a situação me trouxe, mas não gosto de alongar muito.
Me chamou atenção o nível de condicionamento comportamental a que esta criança é submetida. Explorar o mundo, ter curiosidade, andar, cheirar e viver é perigoso. É preciso ficar perto do adulto, andar de acordo com seu passos e conhecer o mundo apenas pelos seus olhos cansados. Se tiramos da criança a sede de viver, o que fica? Sou a mãe maluca que deixa o filho andar descalço, subir escada e catar pedrinhas e plantinhas no jardim. E que admira o sorriso de satisfação que cada coisinha dessas estampa no rostinho suado do pequeno. Sim, o mundo não anda lá muito hospitaleiro. Mas não preciso transferir ao meu filho as agruras que a idade adulta revela. Deixo que ele tenha apenas as preocupações de criança. Aos poucos as noções de cuidado consigo e com o outro são introduzidas, mas sem ofuscar o brilho das descobertas que a curiosidade infantil traz.
Também não pude deixar de notar a ausência total de empatia. Aquela menininha que não é enxergada como ser humano pelos cuidadores, não conseguiu enxergar meu filho. Daquela reprodução violenta de comportamento, enxerguei o quanto ela é violentada diariamente. O quanto seus sentimentos são ignorados. O quanto ela é tratada como propriedade de alguém. Articulada e conversadeira, ela não soube encontrar em todo seu vocabulário um única palavra gentil para chamar meu filho a segui-la. Não soube porque não a ensinaram. Ilude-se quem acha que ensina o filho a ser educado, amável e companheiro ensinando-lhe a falar obrigada e por favor. Não, eles aprendem com nossas atitudes. Eles aprendem a tratar o outro como são tratados. E na primeira oportunidade seguirão com o ciclo. O violentado violenta. 
Ouço sempre que a juventude bitolada, egoísta e desrespeitosa que vemos hoje em dia é fruto de muito mimo dos pais. Que é uma geração que não apanhou. Vendo a cena que vi hoje só constato que nossos jovens alienados são fruto de uma geração negligenciada. Uma geração que não foi olhada nos olhos. Um geração que não foi ouvida. Que não mereceu um explicação, por menor que fosse. Que não aprendeu a ter empatia, porque esta palavra nunca fez parte de seu cotidiano. Um geração ignorada, invisível. Respeito a gente ensina respeitando, simples assim. Não há palmada, não há agressão, não há castigo que ensine mais que o exemplo. Criança vê, criança faz. Atitudes falam bem mais que o que sai da nossa boca. Observe o comportamento do seu filho quando ele se sentir em superioridade física. Posso te dizer com toda certeza que será mais revelador que olhar-se no espelho.

sábado, 18 de janeiro de 2014

E chega um novo amor

Passei uns dias sumida. Tudo bem, não sou uma blogueira muito assídua, mas dessa vez o hiato foi longo. Longo e absolutamente necessário. A vida mais uma vez me mostrou que não estou no comando de absolutamente nada. Mais uma vez sacudiu todas as certezas, mudou os planos e tirou tudo do lugar. Eis que me encontro mais uma vez grávida. Assim, sem planejar - pelo menos não conscientemente - sem sonhar, sem querer. Um novo fruto se instalou no meu ventre, com a força e a certeza de quem quer nascer de mim. Sim, mais uma vez fui escolhida. Sem qualquer convite, sem aviso, cresce mais uma vez um novo ser. 
Como toda notícia sem aviso, esta me tirou o chão. Eu, mãe apaixonada, fêmea saudosa dos tempos de barrigão, não consegui enxergar qualquer alegria. Chorei. Choro de luto, de morte. Porque vida também traz morte. E me dei um tempo pra chorar. Chorei a morte dos planos, dos novos estudos, da retomada próxima a vida profissional. Chorei a morte da mãe de um. Chorei a morte do cronograma tão planejado por esta mãe. E chorei e chorei. Sem dúvidas, cada lágrima derramada foi essencial para que o sorriso voltasse a florir em meu rosto. Porque a lágrima lava a gente de dentro pra fora. E eu precisava desse banho interno. Olhei inúmeras vezes para Miguel, com apenas 15 meses - hoje com 17 - e pedi perdão. Perdão pelas mudanças, pela minha dor, pela minha futura falta de tempo. Perdão por ter um outro bebê enquanto ele ainda é um bebê. Perdão porque deixaria de ser apenas mãe dele.
Por diversas vezes ouvi, das pouquíssimas pessoas que sabem desta gravidez, que não tinha motivo pra chorar, que filho é benção, que filho é alegria. Sim, filho é isso tudo mesmo. Mas também é mudança, é responsabilidade, é dedicação, é entrega. E agora, finalmente com a alma confortavelmente entregue a um, terei que dividí-la para dois. Não é fácil, não será fácil. 
Com a certeza que não será fácil em baixo do braço, trilhei um caminho de aceitação, de choro, de sonho e, sobretudo de amor. E aqui estou. 12 semanas de gestação. Não sei quantas faltam, mas não há pressa. Hoje posso dizer, de coração aberto, que aceito mais um vez esse privilegio. Porque gerar outra vida é um presente. Ainda não posso me considerar feliz. Mas estou em paz. Que venha esta nova luz para abrilhantar ainda mais os meus dias. Que venha cheio(a) de graça. Que venha certo(a) de que será bem recebido(a). 
Ensino ao meu filho, diariamente, que amor não tem limite. Quanto mais a gente dá, mais recebe. É uma fonte inesgotável, é força que se multiplica, que trasborda. Pois então a mãe de um transbordará de amor para os dois. Cá estou, mais uma vez no começo do caminho. Voltarei ao RN molinho, com cheirinho de leite materno. E verei novamente os primeiros passos, as primeiras palavras, as primeiras descobertas e os primeiros medos. As madrugadas novamente terão choros e fraldas de cocô. E mais vezes sentirei vontade de não ser mãe de nenhum. Mas agora terei dois sorrisos lindos, um bem banguelinho, para me mostrar que o sol brilha. E terei beijos nas duas bochechas, ao mesmo tempo. E o colo ficará cheio. E a cama ficará sempre quente. E escutarei bebenês por muito mais tempo que o previsto. E saberei que sou ainda mais amada que sou hoje. Mais vida em mim. Mais vida nada casa. Mais vida na vida. Que seja bem-vindo(a).