quarta-feira, 17 de abril de 2013

Ser mãe dói.

Existem coisas que só descobrimos após a maternidade. Existem sentimentos que são despertados apenas após o nascimento de um filho. Ouvimos todo o tempo que a maternidade nos traz um amor sem medida, sem precedentes, incomparável. Esquecem-se, no entanto, de nos avisar que esse amor vem de mãos dadas com uma dor também incomparável. Uma dor, que assim como o amor, não tem medida, não tem precedentes. Ser mãe dói. Muito. Nos mostra o tamanho da nossa impotência, da nossa pequenez. Faz doer a alma. Uma dor tão forte que a sentimos em nossos corpos, no vazio que dá no estômago, no aperto sufocante no coração. E ninguém nos prepara para isso.
Esses dias um amigo foi baleado, na porta de casa, em frente à filha pequena, em uma tentativa de assalto.Quando recebi a notícia, minhas pernas tremeram. Ele estava bem, fora de perigo. Mas a dor que senti não foi por ele. Senti o chão se abrir, o estômago doer de uma fome de força, o coração ser espremido pelo corpo que parecia se encolher. E se fosse eu? E se meu filho tivesse visto uma cena dessas? Chorei pela dor que ele sentiria. Chorei por não poder protegê-lo. Chorei por ter certeza que o futuro - nem o dele, nem o meu - não pertence a mim. Senti o peso da minha impotência. Só sabe essa dor quem é mãe.Percebi, naquela hora, que o meu melhor não é garantia de absolutamente nada. E isso dói.
Depois do nascimento do pequeno, não vejo mais jornal. Quando vejo, se começa uma notícia, dessas trágicas que vemos tanto, mudo de canal. Choro junto quando vejo uma mãe perder um filho. Acho que temos, todas, uma solidariedade materna, uma ligação. Só nós podemos imaginar a dor de outra mãe. Porque é uma dor única. Não importam nossas crenças, nossas verdades. Um amor tão grande tem seus efeitos colaterais. Uma dor permanente, ora grande, ora pequena. Mas sempre ali. Escondida, as vezes, mas presente. A dor de ter o coração pulsando fora de nós mesmas. A dor de ter um pedaço desmembrado.
Meu filho nunca ficou doente. Estamos com 8 meses e, até hoje, teve apenas um leve resfriado, quando o pai eu tivemos também. Mas nas poucas vezes que chora de dor, porque caiu ou por um dente, essa dor dói em mim. Já pedi a Deus, com minha cria em prantos nos braços, que a dor fosse transferida a mim. Eu sentiria toda dor do mundo para vê-lo sempre em paz. Eu queria sentir a dor dos dentes nascendo - no momento, quatro ao mesmo tempo - para que pra ele ficasse apenas a alegria do sorriso. Mas é aí que a nossa dor aumenta. Não podemos fazer nada. Não podemos transferir para nós aquela dor. Não podemos arrancá-la deles. Não poderemos evitar seus sofrimentos, nem presentes, nem futuros. Eles sofrerão, adoecerão, chorarão. E nosso amor, tão grande que é, não é capaz de impedir que aconteça.
Olho para o sorriso do meu filho, tão puro, tão verdadeiro, tão singelo. Queria mantê-lo sempre assim. Dói imaginar que passará por dores que já passei, e por outras que talvez eu nem conheça. Durmo e acordo rogando por saúde e vida. Porque depois que o filho nasce, a gente perde o direito de morrer. Porque eles precisam de nós. Porque esse serzinho tão indefeso precisa que eu lhe pegue nos braços, e, como leoa, o defenda do que posso defender. Do pouco que posso defender. 
Acho que com o tempo aprendemos a lidar com essa dor. Sou uma mãe-bebê, pra mim, ela ainda é muito forte. Cada vez que o vejo feliz, sorrindo, crescendo, ganhando espaço e independência sinto a dorzinha me espreitando, me olhando de canto e mostrando que mesmo nestes momentos ela ainda está lá. Talvez o equilíbrio esteja em tornar-se amiga desta dor que nos acompanhará até o fim de nossos dias. O equilíbrio que nos torna capazes de deixá-los arriscar, quando a vontade é proteger. De deixar ir, quando a vontade é pedir que fique. O equilíbrio de incentivar a coragem, quando estamos internamente tremendo de medo. Abraçar a dor que o amor trouxe, olhar nos olhos dela e dizer que aceitamos a sua presença. A aceitamos como efeito colateral de algo muito maior e sublime. Mesmo com coração apertado e o vazio no estômago incentivaremos os vôos altos, as conquistas difíceis, as viagens longas e os sonhos impossíveis. Incentivaremos os passos largos, as caminhadas incertas e os amores eternos. Incentivaremos a ida, deixando claro que sempre haverá para onde voltar. Os ombros que suportam com firmeza o peso dessa dor de amor estarão sempre fortes para consolar o choro das inevitáveis quedas. Mesmo com voz engasgada, com coração apertado e a mente cheia de medos, faremos a promessa que jamais teremos a certeza de que iremos cumprir: "Vem filho, vai ficar tudo bem."

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Hitler nasceu bom


"Sabem o que fez o Joca? Cortou ao meio a minhoca!/ - Joca, como és tão malvado!/O papai disse indignado./E a mamãe, toda enojada:/- Ai! Mataste a coitada!/Mas responde alegre o Joca:/- Só fiz bem para a minhoca!/Ela estava tão sozinha,/Pobre e triste minhoquinha!/De uma só eu fiz um par: Duas já podem brincar, /Já se fazem companhia/E rebolam de alegria!/ - Diga - isso foi, ou não,O tipo da boa ação?"
Tatiana Belinky. 

O poema acima está, em forma de canção, em um Cd que ganhamos esses dias. Tic Tic Tati. Depois de ouvir a música, me pus a pensar em como somos injustos com as crianças. Não preparamos o mundo para recebê-los e não os preparamos para o mundo. Reclamos, brigamos, tolimos. Enquadramos suas atitudes em nossas próprias percepções e vivências e esquecemos que são apenas crianças, inocentes, movidas por um incansável instinto curioso e verdadeiro. Esquecemos que não são mini adultos. Já me peguei chamando o pequeno de malvado, quando puxa com força o rabo de um dos gatos. Coitado, não sabe o que é maldade. Não sabe que aquele treco peludo que está no chão é um gato.Não sabe que gatos sentem dor. Não sabe o tamanho da força que tem. Tenho me policiado para não chamá-lo assim. Crianças são boas. São honestas e verdadeiras. Ah, se fossemos um pouquinho como eles.
Acredito verdadeiramente que todas as vezes que nos descontrolamos com as crianças é porque nos falta compreensão. Paciência e compreensão.Nos falta a capacidade de enxergá-las como seres humanos, recém chegados ao mundo.Digo que falta que os enxerguemos como seres humanos porque enxergamos nossos filhos como nossa propriedade. São nossos. Não perguntamos sua opinião, não queremos entender suas motivações, não respeitamos suas vontades. Almejamos uma obediência cega. Queremos adestrá-los. Não quero que compreendam o que falo como permissividade. Criança precisa sim que direcionemos suas energias, que expliquemos que todas as suas atitudes tem consequências. Que lhes ajudemos a caminhar nestas tão tortuosas trilhas. Sim, ajudar, direcionar, compreender. Vejo pais orgulhosos em dizer que seus filhos obedecem com um olhar, mortos de medo. Posso estar enganada, mas o medo não é um bom alicerce para nenhuma relação. Não tenho a mínima intenção que meu filho tenha medo de mim. Desejo respeito, e o ensino a me respeitar respeitando-o todos os dias. Baseio nossa relação no amor. Deixo o medo para o mundo lá fora, esse já está assustador o bastante.
 Nas situações que tenho em minha mente, da minha infância, todas as vezes que me pus em perigo, que me machuquei ou desobedeci, estava bem intencionada. Nunca, enquanto criança, agi com o intuito de afrontar meus pais, ou qualquer outro adulto. Quando esquecemos que éramos bons? Que adquirimos, ao passar dos dias, os sentimentos e intenções ruins que carregamos em nós? Certa feita, conversando com uma pessoa querida, mãe de três filhos, ouvi que tinha que ter cuidado para não ser manipulada pela criança, à época, falávamos de um bebê  de dois anos(sim, para mim é um bebê). Uma criança de 2 anos não tem construções neurológicas suficientes para manipular. Ela não tem vivência suficiente para isso. Não  possui maturidade para tanto. Antes de perder a paciência e partir para a agressão física, lembre que crianças não são como nós. Não viveram tantos anos, não choraram nossas lágrimas e não riram nossos sorrisos.Não carregam nossas cargas emocionais. Não utilize as suas medidas para mensurar a vontade de uma criança, nós perdemos a pureza, nossas medidas não lhes cabem.
Acredite, Hitler não nasceu mau. Ele nasceu bom, como todas as crianças. O adulto que se tornou foi moldado pelas experiências que vieram ao longo de sua existência. Ao nascer ele era bom, como você e eu fomos. Lembre sempre, ao olhar o seu filho, que ele é um ser melhor que você. Que ele não sente inveja, que não dissimula, que não maltrata. Converse mais, compreenda mais, tente olhar o mundo pelos olhos deste serzinho que lhe presenteia com lições de bondade e fraternidade. Alcançar a lógica ilógica da criança nos fará lembrar que também já fomos puros. Quem sabe este exercício diário não desperta em nós um pouco da inocência perdida? Vale tentar.



terça-feira, 2 de abril de 2013

E porque não falar dos espinhos? ou Quem nunca?

Como boa nordestina, vou começar o post com um ditado que traduz com perfeição a difícil tarefa de educar um filho: " Rapadura é doce, mas não é mole não!". Ah, mas não é mole mesmo! Sempre escrevo sobre maternidade como uma paixão, algo lindo e inigualável. Não é mentira, nem exagero. A maternidade é mágica, fantástica e blábláblá. Mas tem espinhos, e muitos. E tem dias que a gente quer fugir, voltar a fita, sair correndo como uma louca sem nem olhar pra trás. Ah, amiga, tem dias desses sim, e isso não mede o tamanho do seu amor ou a sua qualidade como mãe. Portanto, se você acha que suas flores virão sem espinhos, e pretende manter viva esta ilusão, para por aqui mesmo. Tem muito texto apaixonado aqui no blog, esse aqui fala dos espinhos, e das coisas que ninguém conta.
Pois bem, lá vamos nós. Assim que meu filho nasceu, o peguei nos braços, babei, achei lindo, maravilhoso, mas aquele amor de tirar o chão não veio assim, no primeiro olhar. Hoje o amo mais que no dia do nascimento. Acho que cresce um pouco mais a cada dia, ainda bem, já que o trabalho também cresce consideravelmente a cada habilidade adquirida. Sinto que estou jogando um vídeo game, daqueles bem difíceis, e a cada fase que finalmente consigo vencer, avanço para uma mais complicada. E haja estudo, paciência e amor. Pra piorar um pouco mais, a cada mês acumulo mais horas de sono perdidas, mais dor na  coluna  e menos tempo para mim. Sim, sim, horas de sono perdidas, muitas delas. Ouvi de muita gente que o filho dormia bem, a noite inteira, e me iludi que isso aconteceria aqui em casa. Juro que fico puta da vida quando alguém me diz que o filho nunca acordou de madrugada. Na boa, ou a pessoa sofre de uma bela de uma amnésia, aquela memória seletiva que apaga os momentos ruins, ou é um ser sádico com vontade de ver nosso olhar de "porque comigo, meu Deus?".Converso com muitas mães com bebês de uma idade semelhante à do meu filho, e todos, TODOS os bebês acordam algumas vezes durante a madrugada. Quando ele acorda uma única vez, mama e dorme novamente, fica tudo lindo. O problema é quando acorda, faz cocô e quer comemorar o feito. Ou quando quer mostrar a mais nova habilidade, ou treinar as várias entonações do ba-bá,dá-dá,má-má,pá-pá. Aí você pede pelo amor de Deus que ele durma, explica pela milésima vez, no escuro da noite, que mamãe está cansada, que precisa dormir. Os olhos ardem, a cabeça dói. Mas os grandes olhinhos brilham e não dão a mínima para a sua súplica. Desesperada você desiste e coloca a criaturinha no berço, no meu caso ao lado da minha cama, esperando que durma sozinho - doce ilusão. Mas a cabeça de mãe neurótica não consegue parar, a cria começa a conversar cada vez mais alto, a cada segundo mais esperta e você percebe a merda que fez. Promete a si mesma, no momento de desespero, que ao amanhecer vai comprar uma chupeta. E que a noite vai dar um mingau bem grosso e pesado - amigas ativistas, até a mais consciente das mães de vez em quando pensa uma besteira destas. Depois de alguns muitos minutos, algumas vezes horas, de luta, ninadas, canções e muito mamá, o pequeno dorme. Mas você comete a besteira de olhar o relógio e percebe que faltam poucas horas para amanhecer. E que a cotovia que pôs no mundo acorda pontualmente às 5:40h, as vezes antes. Lembra das milhares de coisas que tem pra fazer no dia que está chegando. Levanta mais uma vez e tem certeza que ele tá dormindo. E trava uma briga intima para desligar. Quando finalmente dorme, o tempo, sacana como é, passa em segundos e o reloginho grita querendo mamar, brincar, conversar e que lhe troquem a fralda.
E você, com o pouco de ilusão que lhe resta, pensa que irá dormir a tarde pra compensar a noite perdida. Mas os 70 e poucos centimetros de criança não param mais. Eu achava lindo uma criança engatinhar. Olhava e babava pensando em quando o meu começaria. Agora, juro por tudo que é mais sagrado, fico com dó da coitada que me conta feliz que o baby aprendeu a engatinhar. Não sabe o que lhe espera. De domingo a domingo a casa tem que ser toda limpa e aspirada pra que o pequeno possa explorar. Os objetos de decoração que você comprou com carinho vão ficando cada vez mais escondidos em nome da segurança. Esconde-se telefone, modem, caixa de som.Tem dias que nem eu mesma sei onde escondi o celular. Os brinquedos dele são coloridos demais, bonitinhos demais. Acho que ele gosta de coisas menos chamativas. Do velho cinza do controle remoto ou do preto do celular. E do rabo do gato também. E aquela paranoia que você tinha de manter tudo limpo e organizado vai por água a baixo. O guri lambe a parede, agarra qualquer sandália que esteja vacilando e rói os móveis. Sim, sim, rói os móveis. Os tais dentinhos que deram um trabalho pra nascer, que causaram dor em você e nele causarão prejuízo. Depois de muito aprontar, vem o primeiro cochilo do dia. Liga-se o cronometro, tenho exatamente 40 minutos para deixar tudo em ordem, aprontar a comida, escovar os dentes e acabar de passar aspirador na casa. Os minutos passam e o banho fica pra depois. Hora de voltar a correr atrás de uma criaturinha que veio com 10 dentro e uns 5 correndo por fora! "A mão de Miguel fica longe da tomada", "O telefone fica fora da mãozinha de Miguel." " A gatinha fica longe de Miguel". Nessa loucura o dia se vai, e você percebe que tomou um banho de 20 segundos enquanto o gato e o menino gritavam na sala, um com dor e o outro de êxtase.
Quando finalmente o pequeno dorme, toma um banho um pouco mais demorado, mas não muito, porque tem que aproveitar o tempo para ajeitar um trilhão de coisas, come com um pouco mais de calma, senta no computador e começa a trabalhar. Sim, sim, trabalhar. Cumprir prazo, estudar algumas coisas, atender cliente. E aí decide dormir, deita exausta, acabada e com dor em todos os ossinhos e músculos do corpo, com uma imensa vontade de descansar e com uma incansável esperança de que a noite será um pouco melhor e que o bebê dormirá a noite toda. Três horinhas depois - com sorte - o pequeno acorda e mostra que a tão sonhada noite ininterrupta de sono ficará para a próxima vez.
A gente acorda, olha no espelho, vê que as unhas foram feitas no século passado, que as olheiras estão mais fundas que o oceano, que a pele está opaca, sem vida e pálida e que o cabelo precisa ser lavado e hidratado com urgência. Pensa que você foi uma maluca em ter inventado filho, que tava tudo certo como era, que nunca mais vai dormir, comer ou viver em paz. Sonha com uma folguinha da maternidade. Mas a criaturinha olha pra gente com um olhinho curioso, e um sorrisinho com dois dentinhos que coloca o sorriso da Julia Roberts no chinelo. Abre os braços e faz tudo valer a pena. A gente recebe um carinho melado de mão babada, se sente muito especial e privilegiada, e a mãe maluca, cansada e descabelada percebe que não poderia estar com outra vida, ou em outro lugar.