quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ah, a amamentação...


Miguel, recém nascido, agarrado ao peito

Sonho em amamentar desde muito nova. Sempre achei um ato lindo. Lindíssimo. Quando Miguel nasceu, nos seus primeiros minutos de vida taquei logo no peito. Queria saber a sensação, descobrir a beleza de alimentar meu filho com o meu corpo. Para a minha frustração, os primeiros dias foram difíceis. Bebê afoito e mamãe inexperiente não são uma boa dupla. Eu só pensava nas informações que tinha lido na gravidez, na boca de peixinho, na pega correta. O moleque era esfomeado e antes de eu acertar a bendita pega ele prendia os lábios e quase me arrancava o bico do peito. Meu seio feriu. Três dias após o parto tive hiper lactação e coloquei a Pamela Anderson no chinelo, seios enormes, empedrados e doloridos. E lá se foram horas por dia ordenhando, massageando e pondo o leite e compressas nos machucados. Nem sei o que seria de mim se a Marcílha, minha parteira, não estivesse ao meu lado. Chegou um momento em que desabei. Sentei e chorei muito. Queria ter prazer em amamentar, mas não conseguia. O peito doía muito, sangrava e estava tão grande que eu não conseguia enxergar a cabeça do meu filho quando o colocava para mamar. Mas eu sabia que as coisas entrariam no eixo e que logo esses desacertos dos primeiros dias passariam. E passaram. Finalmente senti o prazer de amamentar. Amamentar é lindo, é forte, é delicioso.
Confesso que nunca prestei atenção em horários. Não sabia ao certo que horas o pequeno pegava no peito, ou quanto tempo demorava mamando. Até hoje não sei dizer quantas vezes ele mama no dia. Sei que mama muito, na hora que quer, o tanto que quer. E isso nos faz muito felizes.
Amamentar é doar-se. É um ato de amor, de carinho, de vida. Reduzir a amamentação a alimentação é injusto e tolo. Meu seio não apenas alimenta o meu filho, mas lhe passa segurança. No meu colo ele ouve a batida do coração que lhe ninou durante meses. Sente o meu cheiro. Se acalma. No meu seio nos conectamos de uma maneira muito poderosa, única. Só quem amamenta doando a alma sabe do que estou falando. Eu lhe doou meu leite, minha energia, ,meu afago,o meu ser. Ele me doa um amor sem mensura. Busca meus olhos, acaricia meu rosto. Ah, não há nada que se compare a este momento.
Nan? Mingau? Mamadeira?Mucilon? Eles jamais transmitirão ao meu filho tudo que vai no liquido que sai de mim. Não há formula no mundo que contenha - além dos meus hormônios, anticorpos e etc - o amor que    exalo ao amamentar. Ah, "querida" Nestlé, você jamais conseguirá traduzir tanta entrega em seu pozinho.Tanto sentimento não cabe em uma latinha.
Quando iniciei a complementação da alimentação, após os seis meses do pequeno, e porque ele me parecia pronto, fiquei com um aperto no coração. A amamentação exclusiva era algo tão valioso que queria que durasse mais. Mas a insegurança passou, a alimentação, como o próprio nome já diz é complementar. O teté continua sento o carro chefe, em livre demanda. E assim continuará. Até que nós dois estejamos prontos para encerrar este momento, da maneira mais natural possível. Sem traumas, sem cobranças.
Somos, ambos, absolutamente dependentes da amamentação. Não faço a mínima questão de encerrar esta dependência. Preciso dele no meu peito pra me acalmar e me sentir mais completa. É com ele mamando que o tempo pára e eu respiro, relaxada. O desmame não é cogitado, nem pensado, nem falado. Mesmo exausta e louca para dormir, no silêncio da noite, nosso vínculo é lindo e forte. Os olhos expressivos se arregalam procurando os meus, duas lindas luzes iluminando minha vida, em meio a escuridão.E quando a mãozinha me toca, apertando minha boca, meu coração se acalanta. Acompanho o respirar, sinto uma paz enebriante. Ele adormece, seguro e amado, e eu volto a dormir agradecendo a Deus por ter me dado a oportunidade de viver algo tão sublime.
A amamentação me toma de uma maneira sobrenatural. É magica. Ah, mães, esqueçam as mamadeiras, os leites fracos, a chupeta. Doem-se na amamentação. Deixem seu instinto guiar e se entreguem de corpo e alma. Nosso filhos irão crescer, a fase de amamentar é curta. Muito curta. Aproveitem. Aproveitem cada instante em que eles se agarram a nós como fonte de amor, alimento e vida. Fotografo em minha memória cada segundinho que ele está em meu peito. Tento guardar cada sensação, cada sentimento. Vai ficar tudo armazenado no meu arquivo emocional.Quando a saudade bater bem forte, essas imagens serão como um abraço, me consolaram e me farão lembrar como sou privilegiada. 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Cores da infância

Antes de descobrir a gravidez, sonhei que estava grávida, que era um menino, e que se chamaria Miguel. Aos poucos começamos a comprar as coisinhas dele, mesmo antes da confirmação do sexo.Como estava bastante preocupada com o parto, acabei dando pouca importância para o enxoval, teríamos apenas o extremamente necessário. Sempre me irritei ao entrar nas lojas: De um lado cortinas, tapetes, enfeites azuis e de outro roupinhas cor de rosa. Desisti de comprar boa parte pronta e resolvi pedir a minha mãe para fazer. Comprei um lindo tecido de bolinhas coloridas. Muitas cores. Rosa, azul, vermelho, amarelo, verde, lilás. Colorido, como a infância tem que ser. 
Meu pequeno tem brinquedo de todas as cores,lilás, verde, amarelo, tem copo cor de rosa e usa a cadeira de alimentação cor de rosa emprestada da priminha. Porque estou falando sobre isso? Porque acho importante dizer que cores são apenas cores. Acho que meu filho precisa aprender que não há para ele cor permitida ou proibida. Azul e rosa não interferirão na sexualidade do meu filho. As cores que ele utiliza não definirão seu caráter.Mas aprender desde pequeno a não ser sexista ajudará muito na formação do homem que espero que ele seja. 
Quantas vezes você parou para pensar nas consequências do que ensina ao seu filho? Quantas vezes você o ensina a ser machista e sexista? Quantas vezes você cobra da criança uma postura de "macho"? Tenho reparado que as pessoas tem verdadeira fissura no pintinho do menino. Não sei nas demais regiões do País, mas aqui, no nordeste, o pintinho é um sinal de macheza. "Cadê o pintinho dele?", " Olha o pintão dele", "O pinto é grande, é macho mesmo". A menina deve esconder "suas partes", fechar as pernas, sentir vergonha do que tem. O menino aprende a supervalorizar o pênis desde pequeno. Assim seguimos disseminando o falocentrismo e criando pequenos machistas tiranos que acreditam ser superiores. Não gosto destes comentários e brincadeiras e aos poucos estou deixando claro para os que convivem conosco. Meu filho não crescerá achando que possui um troféu entre as pernas. Não há nada de especial no fato dele ser um menino. O pênis é apenas o órgão sexual dele.Nada além disso. Não define nada, não lhe dá privilégios.Quero que ele cresça sabendo que meninas e meninos são iguais em direitos e deveres. Temos diferenças físicas e fisiológicas que refletem diretamente em nosso modo de agir e ver o mundo. Mas essas diferenças não cabem no rosa ou no azul.
 Vendo a forma que a maioria das pessoas trata meu pequeno, entendo claramente porque estamos em uma sociedade em que o homem acredita que a mulher nasceu para servi-lo.Como é o homem que você gostaria de conviver? Não seria este o momento de deixarmos homens melhores para o mundo? Homens mais conscientes, mais respeitosos? Homens menos egoístas, menos egocentristas? 
Amargamos tristes dados de violência contra a mulher.Convivemos com homens que violentam sua companheira sexual, física e psicologicamente.Não se engane, estes comportamentos são fruto dos que ensinamos para nossos filhos. Essas atitudes são reflexo direto dos conceitos distorcidos que recebem diariamente da família, dos amigos, da mídia. 
Meu filho saberá que mulheres não são objetos para sua satisfação. Aprenderá que roupa curta não é um convite ao desrespeito. Aprenderá que não é um animal descontrolado. Aprenderá que sua força física superior jamais deve ser utilizada contra ninguém, inclusive contra uma mulher. Aprenderá que homens choram. Daqui a alguns anos ele não lembrará qual foi a cor dos seus brinquedos, do seu quarto ou do seu copinho. Cores são apenas cores, e ele terá uma infância muito colorida. Mas os conceitos de igualdade e respeito estarão arraigados no seu caráter. E eu poderei olhar para ele e me orgulhar do ser humano que se tornou.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Bebê ou boneco?

Tenho repensado muitos dos meus comportamentos com as crianças. Hoje, com um bebê em casa, vejo como somos - nós, adultos- abusivos com eles. Não enxergamos o bebê como um ser vivo. Tratamos os pequenos como objetos. Não respeitamos seus horários, seu ritmo, seu tempo, sua vontade. Miguel é um bebê muito sério. Brinca bastante em casa, mas quando sai, põe um franzido engraçado na testa e um olhar super desconfiado. Olha tudo, mas sem gracejos com ninguém. Ouço diversos comentários sobre isso. Talvez por isso poucas pessoas sejam invasivas com ele. Por isso e pela minha cara de poucos amigos quando alguém abusa. Mas os estranhos não são o problema. Quem mais desrespeita é quem está próximo, que invade sem querer, sem maldade, sem pensar. A família além do pai e da mãe é um conceito que a criança irá construir com o tempo. Ela não nasce sabendo quem são os avós, ou tios, tias e primos. Ela não sabe que aquela pessoa que chegou cheia de sorrisos é uma amiga-irmã da mamãe ou é um amigo do papai. Aos olhinhos deles, são estranhos. Não são o papai e a mamãe.
Cansei de ter meu filho arrancado dos meus braços por um parente qualquer, que chega afoito, doido para brincar com ele.Algumas vezes dou um não incisivo, outras vezes acabo deixando. Óbvio que acaba em choro e volta o pequeno inconsolável para o meu colo. Quantos de nós gostamos de ser tocados, agarrados e beijados sem a nossa permissão? Porque um bebê tem que gostar de passar de colo em colo, como se fosse um boneco?  Sempre achei uma tremenda falta de respeito. Alias, essa questão de colo é bem complicada. Nunca gostei que qualquer um pegue em meu filho. Não deixo que estranhos o carreguem. Se vejo que está incomodado no colo de alguém querido, educadamente, o tomo nos braços. Acho que o toque é algo intimo. Não saio abraçando estranhos na rua. Não toco em alguém sem que esta pessoa tenha me dado sinais de que quer ser tocada. Tocar é trocar energia. Hoje, aos 6 meses, Miguel já demostra se quer ou não que alguém o pegue no colo. Abre os bracinhos quando quer, ou simplesmente vira, deixando claro o Não. E como ninguém tem sido tão legal quanto o chão, este não tem sido cada vez mais frequente.
Ouço que estou criando um menino antissocial  Que ele é muito apegado a mim. Pois bem, se meu filho, um bebê, não for apegado a mim, que o carreguei no ventre por nove meses, que o pari, que o alimento no meu seio, ele será apegado a o que? Ao gato? Ao sofá? É logico que ele é apegado a mim. É claro que o meu colo traz conforto. Meu corpo é o lugar que o deixa mais seguro, por meses o som que ele mais ouvia era a batida do meu coração. Porque é tão difícil respeitar isso?
Não que eu ache que ninguém deva se aproximar do meu filho. Longe disso. Apenas quero que ele seja respeitado. Quero que ele saiba respeitar, e acredito que a melhor maneira de ensinar é dando o exemplo.Amo quando Miguel gosta de um pessoa. Acho uma delícia vê-lo rindo e brincando. Mas se pequeno se nega a ficar no colo ouço que está malcriado e cheio de vontade. Sim, ele tem vontade própria, porquê, você não tem? Não está na hora de desconstruirmos esta visão de que a criança não tem desejos e vontade própria? 
Custa tentar se aproximar com respeito? Não é porque um bebê não sabe falar que a conversa é algo impossível. Converse, se aproxime, sorria, brinque. Deixe que a criança se sinta a vontade para encostar em você. Deixe que te conheça. Quer brincar de boneca, tem várias nas prateleiras das lojas. O bebê não é um boneco. Antes de arrancá-lo dos braços da mãe, pense se você gostaria de ser arrancado do lugar mais confortável do mundo apenas para agradar um estranho. Antes de querer que a criança lhe dê um beijo a qualquer custo, pense como seria chato se fosse o inverso, e que carinho se conquista. Antes de querer acordar um bebê, pense se você gostaria de ser acordado sem nenhum motivo. Respeite-o como gostaria que fosse respeitado.Convenhamos, não é tão difícil. 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Mais que a sobrevivência

Desde que meu filho nasceu tenho tomado decisões pouco convencionais. Avisei aos parentes e amigos que preferia não receber visitas no primeiro mês. Não contratei ajudante. Decidi que queria receber meu filho sem intromissões, sem opiniões alheias. Queria me conectar a ele. E assim, marido e eu nos ajeitamos e cuidamos sozinhos da cria desde o seu nascimento. É notável como a sociedade tem a mania de tratar a recém-parida como uma incapaz. Querem lhe ensinar a dar banho, a como dar mama, como segurar, como pôr pra dormir, o que comer. Querem decifrar o choro antes de você. Confesso que nos primeiros dias o choro me deixava bastante confusa, não sabia ao certo diferenciar e me angustiava. Já chorei junto perguntando a ele o que queria. E exatamente essa ausência de pessoas ao meu redor me falando que era cólica, ou gazes, ou fome me fez entender meu filho mais rapidamente. Nunca tinha dado banho em um recém nascido, mas fiz questão de dar banho e cuidar da minha cria, sem ninguém por perto. Segui meu coração e meu instinto de mãe e vi que sabia o que fazer. 
Quando uma amiga grávida ou parida me pede um conselho, dou minha opinião, mas afirmo logo: Ouça o seu coração. Siga sua intuição de mãe. Sempre. Ninguem conhece seu filho mais que você. Ninguem possui a ligação emocional, física e espiritual que você possui. Não importa quantos filhos sua mãe, avó ou sogra criaram, o seu filho quem cria é você. Difícil é colocar isso na cabeça das pessoas. Acho graça que quem tem mais de um filho se considera expert em criação. Sabe tudo, passou por tudo, fez tudo certo. Os filhos sobreviveram e você deveria seguir os mesmo passos, sempre!  Pensar, questionar, duvidar e tomar outro caminho soa como uma afronta. Cada vez que falo que Miguel não vai consumir industrializados até pelo menos um ano, ou que meu filho não fica chorando desamparado, tem sempre alguém para se ofender. Penso, cá com meus botões, que quem se ofende com a decisão alheia é porque acha que poderia ter feito melhor. Poderia ter se informado mais, questionado mais. Não há nada mais irritante que ouvir: "Eu fiz isso e ele não morreu." Desde quando sonho para o meu filho apenas a sobrevivência? Desde quando quero apenas que ele não morra? Porque nos acostumamos a criar filhos como se fossem batatas? Porque nos acostumamos a reservar sempre as sobras para os pequenos? Para as crianças ficam apenas os poucos minutos que nos sobram do dia atarefado.Para elas dedicamos os minutos entre um bloco e outro do jornal. Queremos que fiquem quietas e mudas enquanto vemos TV ou lemos um livro. Queremos que durmam cedo e que, de preferência acordem tarde. Oferecemos migalhas da nossa atenção. E elas não podem reclamar. Criança boazinha é aquela que não chora, não se comunica, não reclama.
Se pararmos para analisar o mundo dos olhos da criança, ficaremos muito tristes com nós mesmos. Não é porque meu filho tem apenas 6 meses e não sabe se comunicar com clareza que não devo respeitá-lo, ouvi-lo. Cresci ouvindo que criança não tem querer. Bicho tem querer, porque meu filho não teria? O que eles querem de nós é tão pouco. Quantos minutos por dia você dedica a seu filho? Não digo quantos minutos você fica no mesmo ambiente que ele, ou o carrega no colo, ou pensa na sobrevivência dele. Pergunto quantos minutos você dedica a ele. Quantas vezes você senta, sem fazer mais nada além de brincar, de conversar. Quantas vezes você larga o computador, a Tv, o livro e fica com seu filho, dando-lhe atenção exclusiva? Até quando faremos apenas com eles não morram? Porque se preocupar apenas com uma sobrevida? Quando vamos começar a nos preocupar com proporcionar-lhes uma existência agradável, segura, completa? Nossa sociedade decadente e podre é consequência do pouco que oferecemos aos nossos filhos.Queremos que vivam, que sejam educados, que não quebrem a mobilia, que não nos façam passar vergonha. Corremos insanamente atrás de dinheiro para deixá-los com uma vida confortável, mas não nos preocupamos em oferecer condições emocionais para que cresçam seguros, felizes, bem resolvidos.
Eu decidi me preocupar com muito mais que a sobrevivência. Decidi respeitar suas limitações, respeitar suas fases, seus quereres. Decidi tratá-lo como ser humano, não como bibelô. Portanto, o argumento de que seu filho sobreviveu não me convence de que devo seguir seus passos. Vou ofertar ao meu filho o meu melhor, não as sobras. Sobreviver não é o bastante.



quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O melhor que posso ser

Ouvi uma linda homenagem de uma mãe ao seu filho e me apaixonei por uma das frases da música."Ser sua mãe é o melhor que posso ser." A Maternidade, quando vivenciada profundamente desperta o melhor de nós. Pari um filho e uma nova mulher. Renasci. E me sinto muito feliz com isso. 
Por diversas vezes ouço mulheres falarem que não deixaram a vida mudar com a chegada do filho. "A criança que se habitue ao ritmo da família". "O cinema uma vez na semana não pode ser abandonado". "Não troco minhas noites de sono por nada." Sinto pena de quem pensa dessa maneira. Não aquela pena que é desprezo. Mas pena de dó, de piedade. Não sabem o que estão perdendo. Não deixaram que a maternidade as transforme no melhor que podem ser. Não há motivo para orgulho nisso. A maternidade tem que mudar a gente. Impossível passar por uma experiencia tão forte e sair ilesa, intocada. Ela nos faz, quando vivida sem pudores, restrições ou barreiras, encarar o mais escondido de nós mesmas. Nos faz questionar, refletir. Faz repensar. Ela dói, abre feridas para depois curá-las.  
Lembro de um dia, meu pequeno ainda era um recém-nascido, e, como muitos recém-nascidos, fez um cocô surreal. Sujou calça, body, trocador. Acho que salvou-se apenas a cabeça. Eu, estressada, com mais de 20 dias dormindo muito pouco, ao olhar aquele bebê todo sujo, me pus a chorar. Chorei muito. Entrei numa crise existencial de que aquela seria a minha vida para sempre, que agora só iria trocar fralda suja e não dormir nunca mais. Deixei minha alma chorar muito mais que os motivos superficiais que eu tinha em mente. No fundo, sabia que estava chorando porque estava vivendo algo novo, assustador. Porque quando ele chorava, mesmo depois de muito peito, colo, carinho, fralda limpa e sem dores eu ainda não sabia o que queria. Chorei porque queria dormir. Chorei porque estava rompendo com a mulher que eu era e abrindo passagem para o melhor de mim que estava para brotar. Percebi ali, naquele momento, que não adiantava resistir. Eu precisava abrir passagem para o vendaval que mudaria tudo em minha vida. Eu precisava deixar a maternidade me tomar. E ela me tomou.
Para maternar com alma é necessário esquecer as palavras, esquecer o óbvio. A maternidade exige profundidade. Passamos meses cuidando de pequenas criaturas que não falam. Não se comunicam da maneira que estamos acostumados. Falam com os olhos. Para um estranho, o choro do meu filho é apenas um choro. Eu sei o que cada choro diz. Conheço o choro de nervosismo, de ansiedade, de carência, de sono, de fome, e, infelizmente, o choro de dor. Diferencio cada chorinho. Cada expressão do seu rosto me diz com uma incrível clareza o que ele sente, o que ele quer. Nunca achei que seria capaz de algo assim. Sou uma tagarela. Falo pelos cotovelos. E aprendi, com o meu filho, a força do silêncio. A conexão do olhar. 
Observá-lo mudou minha forma de encarar o mundo. Amo ver a curiosidade dos seus olhinhos, a boquinha aberta de admiração, o êxtase a cada descoberta. Passei a admirar mais minhas próprias capacidades. Ele me mostra coisas que eu não enxergo, me traz um encantamento que a muito deixei perdido pelo caminho.
Hoje o mundo é um lugar diferente. E eu sou diferente para o mundo. Aprendi a valorizar o imaterial, o impalpável. A busca desenfreada por sucesso profissional e financeiro perdeu o sentido. Nada vale o sacrifício dos momentos que tenho vivido. Ele tem aprendido comigo e eu com ele. A maternidade é uma troca. Não há unilateralidade. Pobres dos que não enxergam que, muito além do que ensinar, temos muito a aprender. Os filhos ensinam muito. É preciso quebrar os tabus e os preconceitos na relação que se constrói com os pequenos. A porta do aprendizado deve estar sempre aberta.
 A maternidade exige dedicação: de tempo, de forças, de energias, de amor. Doar-se tão profundamente a ponto de fusionar. Só meu filho foi capaz de despertar tanto em mim. Sem dúvida, ser a mãe de Miguel é o melhor que eu posso ser.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sobre o colo que vicia e outras mentiras

Desde o começo da gravidez eu escuto muitas bobagens disseminadas pelo senso comum, mas a pior delas sempre foi o vício no colo. Essa é uma conversinha chata e antiga, e que parece nunca perder força. Vício não é boa coisa. É imperfeição, defeito. E uma coisa eu posso garantir, colo é coisa muito boa. Colo, carinho, aconchego. E colo de mãe, então. Amo o colo da minha até hoje. Não foram poucas as vezes que, mesmo depois de adulta, me debulhei em lágrimas sendo afagada pela mão da minha mãe, apoiada no colo que tanto me acolheu. Só não entendo porque essa cisma em negar colo a um serzinho que acabou de chegar no mundo.Porque querer que um bebê, que por 9 meses esteve dentro de mim, saia e se habitue a um mundo tão diferente e hostil? Porque achar que o berço caro é mais acolhedor que o colo de mãe? 
Sempre ouvi que eu iria me arrepender porque deixava o pequeno adormecido no colo. Quando Miguel adormecia, tão pequenininho, era o momento que eu aproveitava pra admirá-lo em silêncio. Olhava cada traço do rostinho, cheirava as mãozinhas, alisava a cabecinha cabeluda. Sentia o calor daquele corpinho minusculo. A respiraçãozinha profunda. Babava cada instante dele no meu colo. Babava e babo, mas os momentos de colo tem diminuído muito. A despeito das previsões do bebê dominador e cruel que iria utilizar o colo para me manipular, o meu bebê de 6 meses recusa o colo. Agora ganhou o chão. E os meu braços deixaram de caber toda a sua energia. Seu mundo se expandiu e a mim resta ajudá-lo a conhecer o mundo além do meu colo. 
O tempo tem voado. Apesar da sensação de ter vivido com ele desde sempre, não consigo acreditar na velocidade do seu crescimento. Anteontem ele sentou sozinho. Estava de quatro apoios e sentou. Agora se segura em mim e levanta sozinho. Engatinha e explora tudo ao redor. E eu, bestificada, peço que o tempo desacelere. O colo farto não o tornou "manhoso", "mimado" ou "viciado". Muito pelo contrário, a certeza de que o colo está sempre aqui o faz mais livre, mais seguro. Ele vai sabendo que tem sempre para onde voltar.  A órfã de colo sou eu. As vezes agarro, beijo, aperto, grudo e quero que ele fique colado em mim. Mas os bracinhos fortes empurram e querem liberdade. E a mãe carente aqui é quem tem crises de abstinência. Nunca tive pressa para que ele cresça. Não exijo nem almejo independência. Aproveito cada instante que o tenho aqui, aproveito cada vez que os bracinhos se estendem requerendo um pouco de atenção. Porque um dia a casa voltará a ser vazia. O barulhinho das musiquinhas dos brinquedos não existirá mais. Até o choro me fará falta. O pulsar da energia de uma criança ficará apenas na lembrança. O cheirinho   gostoso do hálito de leite deixará de existir. Não sei como será a vida do meu filho, se no futuro o verei apenas nas datas comemorativas, se morará ali na esquina ou em outro País. Por isso curto o que posso curtir agora. Grudo agora.  E quando ele quer colo ele tem.
Fico com pena das mães que negaram sua própria natureza e deixaram as crias abandonadas em berços, chorando. Fico imaginado que lembranças terão as mães que se recusaram a amamentar. Ah, a amamentação...essa merece um post só pra ela. Como eu queria que todas as mães pudessem e soubessem valorizar a dádiva que é dar o peito, dar o colo. 
Penso que a maioria dessas mães dominadoras, que reclamam que os filhos não ligam, não dão notícias, foram mulheres que não aproveitaram quando deveriam. Ansiaram tanto que as crias se tornassem independentes que não viveram a delícia dos momentos de absoluta dependência. E agora clamam pelo colo que tanto negaram. Pela atenção que injustificadamente não deram.
O mundo precisa de pessoas dispostas a dar e receber colo. O mundo precisa de pessoas que aprendam, desde pequenininhas, que carinho e amor não se restringe, não acostumam mal.  Pessoas que saibam que somos uma fonte inesgotável de afeto e de boas energias, quanto mais damos, mais temos a dar. Nas bandas de cá, tenho feito minha parte.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O nascimento de Miguel - Relato do meu parto



“Para mudar o mundo, é preciso mudar a forma de nascer”. Essa frase de Michel Odent me guiou durante a minha gravidez, e me fez enxergar o quanto eu precisava lutar para dar um nascimento respeitoso à minha cria. Remei contra a maré, estudei, me informei, percebi que em um País onde a vida é um evento médico, e o nascimento é algo “perigoso” e “de risco”, uma mulher que quisesse parir como fêmea, precisaria de muito mais que vontade. Durante os 09 meses de gestação me empoderei e passei de “mãezinha” para mamífera, mulher, fêmea capaz de gestar e de parir. Desconstruí em mim o binômio gestação-doença, gestante-paciente. Não, eu não era paciente. Eu era protagonista da minha gestação e assim seria no meu parto. E o respeito que eu desejei e sonhei para mim e para a cria, só conseguiria dentro de minha casa, no meu lar. Na minha casa eu não seria a mãezinha do leito 4, não teria protocolos, tempo pré-determinado para nada, tudo seria no nosso ritmo, meu e do meu filho.Miguel não seria aspirado, por pura rotina, não ficaria em um berço chorando, sozinho, porque é o que facilita a rotina do hospital. Não, eu não admitia a palavra rotina. Nada seria feito por pura rotina. Esse era um nascimento único. Era meu filho, e não me importa se o médico tinha 40 ou 50 anos de profissão e fazia tudo “porque sempre foi assim”. Esse era o nosso nascimento, o nosso primeiro nascimento, meu e do Miguel. E assim foi.
Sendo o parto domiciliar ainda um tabu neste País, decidi guardar para mim e para o maridão a decisão sobre o parto. As pessoas são preconceituosas e cheias de achismos, não tem conhecimento das evidências científicas a respeito do assunto, e discussões sobre isso apenas me estressariam, além do mais as pessoas não entendem que o parto faz parte da vida sexual da mulher, não é um evento social em que podem estar presentes todos que querem: quanto menos luz,menos conversa, menos barulho, menos intervenção, melhor. O parto era meu, eu precisava, como toda fêmea, ajeitar meu canto, do meu jeito e parir.
 Isaac estava assustado com a ideia, mas aos poucos fui mostrando o quanto seria importante e saudável para nós. Eu chorava quando me imaginava indo para o hospital, chorava quando pensava que para o médico a agenda, o consultório cheio e o dinheiro no bolso seriam mais importantes que a fisiologia do meu parto, chorava quando sabia que meu corpo seria violentado com episo, rompimento artificial da bolsa, ocitocina artificial e toda sorte de intervenções, chorava quando me imaginava tendo um parto roubado e parando em uma cesárea, uma cirurgia de extração de feto, amarrada a uma cama, por conta de desculpas ridículas como “falta de passagem”, “falta de dilatação” ou “circulares de cordão”. No hospital eu precisaria me defender, em minha casa eu poderia me entregar.
Aos poucos as coisas foram se ajeitando, e o tão sonhando Parto domiciliar foi tomando forma, se mostrando financeiramente possível. A humanização pela qual lutei tanto durante a gestação se aproximava de mim. Deus abriu portas que eu nem acreditava. Só existia um problema, a minha parteira, um excelente enfermeira obstetra, não estava sequer no mesmo estado que eu. Calculamos tudo e fizemos uma estimativa de quando o filhote chegaria. Conversava diariamente com Miguel e pedia:”Filho, espera sua parteira chegar, não vem antes não.” Minhas 40 semanas se completariam em 16 de Agosto, e eu tinha fé que chegaria a elas, afinal, quem acompanhou a minha gestação sabe que eu estava amando a gravidez e o barrigão. Mas Miguel resolveu não esperar tanto. Assim como estava ansioso para ser concebido, vindo no primeiro mês de tentativa dos pais, ele também estava ansioso para me olhar nos olhos.  No final de semana senti diferenças no corpo, sabia que Miguel estava vindo. Sai com a família, almoçamos fora, aproveitamos a rua, porque, afinal, “sabe Deus quando eu teria tempo pra isso novamente”. Mas a coragem de me despedir da barriga não vinha. Eu chorava e pedia para o Miguel ficar mais, porque eu não conseguia me imaginar sem ele dentro de mim...ainda não me sentia pronta para a separação que era o parto. Mas ele estava pronto, e ele decidia. E decidiu. Na madrugada de terça-feira, 07/08/2012, fui ao banheiro e vi que o tampão mucoso havia saído. Eu sabia que, apesar de muitas mulheres passarem semanas sem o tampão, o meu só sairia para que eu entrasse em trabalho de parto. Liguei para Marcilha e para Dani(Rose Daniele, minha doula), e informei. “O Miguel tá vindo, perdi o tampão, perdi ele todo, saiu de vez”. Ambas me acalmaram e decidimos esperar amanhecer. Não dormi, começaram contrações irregulares e espaçadas. Não eram pródomos, eu sabia. Li muitos relatos durante a gravidez e a maioria das pessoas falava:”Quando é trabalho de parto, você sabe.” Pronto, eu sabia. As 07:00h as contrações vinham de 20 em 20 min. Minha mãe e minha irmã, pessoas que eu queria perto de mim no TP estavam trabalhando. Isaac estava em Salvador. Definitivamente, Miguel escolheu um dia complicado. Liguei para as meninas e a Marcilha decidiu adiantar o voo. Conseguiu apenas para 13:00. Sim, eu estava em TP e minha parteira estava em outro estado. Uma prima veio ficar comigo em casa enquanto a Marcilha e Dani não chegavam. As ondas das contrações vinham e nos 20min entre uma e outra a paz reinava. Doíam, mas ainda não era nada muito grande. Por voltas das 10:00hrs comecei a perder líquido. O TP engrenava e Marcilha me dava suporte via telefone. Eu sabia que Miguel iria esperá-la chegar. Minha mãe chegou, saiu do trabalho, com uma amiga enfermeira e eu solicitei um toque. Sabia que estava na primeira fase do TP e desejava saber como as coisas estavam. 3cm. O caminho a frente era longo. A dor passou a aumentar. Corri para o chuveiro, água quente, remédio divino. As dores vinham cada vez mais fortes. A coluna doía, o tempo passava e eu sabia que ainda faltava muito para Miguel chegar. Não queria comer, apenas água e um copo de suco. Pedi que minha mãe e minha prima enchessem a piscina comprada especialmente para o TP. Virei puro extinto. O corpo me dizia se eu queria sentar, levantar, deitar, gemer, grunir...eu apenas seguia. “Deus me fez pronta para parir, minha natureza sabe parir, eu vou parir!”.  A tarde a Dani chegou, quando a vi, abracei e agradeci a Deus sua presença. A doula é algo que toda mulher deveria ter ao lado para parir...as massagens, o apoio emocional. Nossa...caminhamos juntas pela casa, sentei na bola de pilates, cantei para Miguel... e assim a tarde foi acabando...eu tinha um dopler, que comprei no comecinho da gravidez e volta e meia eu monitorava os batimentos dele. Mas meu coração, meu instinto me diziam que ele estava bem. Não havia medo. Olhei para o relógio, eram 18:00hrs. Marcilha estava chegando, eu sabia que Miguel estava apenas esperando ela chegar. Déborah, minha irmã, chegou, me abraçou,  me deu apoio também. Não posso romantizar, a dor estava muito forte, em diversos momentos achei que não aguentaria. Mas minha doulinha estava ali pra falar:” Cada contração é uma a menos para ele chegar, você vai aguentar, está sendo forte, corajosa, to orgulhosa de você.”Minha mãe me segurava, minha irmã me apoiava. Estava num lindo circulo do feminino. Apenas mulheres, num momento regado a muita ocitocina. Eu lutei por esse parto, eu ia conseguir. Por volta das 19:30hrs eu percebi que as contrações haviam mudado, e eu estava entrando na transição...eu sentia que estava com dilatação total...a dor era de enlouquecer  eu queria que acabasse logo, as forças, depois de 12 horas de TP, já estavam se esvaindo. O bendito táxi parou na minha porta, era Marcilha, abriu a porta de casa, trocou de roupa rápido, arrumou todos os instrumentos que poderiam ser necessários. Olhei pra ela e gritei: ”Confirma que tô no expulsivo.” Ela fez o toque:”dilatação total”. Gritei:”eu vou fazer força, eu quero fazer força.”” Faça o que seu instinto mandar”. Era tudo que eu precisava ouvir. Na partolândia a gente se desconecta com o mundo. A cada contração eu fazia força e gritava:”Veeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeem Migueeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeel”, “Veeeeeeeem filhoooooooooo”. Já não lembrava de vizinho, de barulho, de nada. Chamei meu filho e gritei e fiz força pra colocar ele no mundo. Achei que não ia conseguir, mas as mulheres ao meu redor me davam força. Miguel coroou. Pus a mão e senti a cabeçinha cabeluda. Gritei, fiz força. Só depois descobri que o danado estava com o bracinho na frente, e se fez necessário uma manobra, por isso demorou um pouco mais. Às 20:23h ele nasceu. Enorme, gordo, corado, saudável. Veio direito pro colo da mamãe. Lindo, coberto de vernix, super cabeludo. Olhou pra mim. Olhão escuro. Chorei...gritava eu pari, eu pari, ninguém roubou meu parto, eu pari. Beijava meu filho, abraçava ele, chorava. O cordão ainda pulsando...liguei pro pai, que já tinha chegado de Salvador, mas não tinha subido para casa e falei:”Sobe, vem ver, Miguel nasceu e ele é lindo!” Isaac subiu e ficamos os dois olhando e babando a cria. Pari, sem intervenções, sem episo,com o amor da ocitocina. Lutei como leoa, me senti leoa. Miguel não precisou ser aspirado, foi pesado apenas depois de 3hrs de vida, porque eu pedi. 3.830kg e 52cm. Nada de colírio de rotina, nada de picadas desnecessárias, nada de separação. Só colo da mamãe e leitinho. Nas primeiras horas de vida, mamou 25 minutos seguidos. EU PARI, ninguém extraiu meu filho da minha barriga. Eu venci, e EU PARI, numa piscininha, na minha sala, com as acompanhantes que me tornaram forte e segura, segurando a mão da minha mãe, da minha doula e da minha irmã. Ninguém me roubou a experiência mais rica que uma mulher pode viver. Nascemos, ali na sala, Miguel e eu.

A história da mocinha ou O nascimento de uma chata


Era uma vez uma mocinha que decidiu que queria ter um filho. Depois de muito insistir com o marido, de muitas discussões e de muito pensar, foi tomada a grande decisão: chega de pílulas anticoncepcionais.A pobre mocinha não fazia ideia do quanto essa decisão mudaria imensamente sua vida. Um mês depois, com um exame de sangue positivo em mãos, ela seguiu serelepe e feliz para o consultório médico para saber como lidar com sua gravidez. E assim ela foi apresentada ao mundo das mãezinhas. Perdeu nome, identidade e, de alguma forma, o domínio de si mesma. Era apenas a mãezinha. Ah, mas essa mocinha nunca foi fácil, essa história de mãezinha não combinava com ela. Algo no seu instinto lhe dizia que o guia para uma boa gestação estava dentro e não fora dela. Mas a forte maré continuava lhe empurrando para o infantilizado mundo das mãezinhas. A dotôra lhe disse pra cuidar do enxoval, preparar a casa, porque o resto era com ela. A mocinha, encrenqueira como sempre foi, mudou de médico. E mudou, e mudou. E seis vezes mudou. Até que o mundo virtual lhe mostrou uma triste realidade. Pra conseguir parir como sempre sonhou, a mocinha precisava se rebelar.Não bastava querer. E assim a mocinha esqueceu tudo que lhe foi dito durante toda a vida, perdeu o medo dos cordões assassinos, do útero hostil e das passagens estreitas. Armou-se de muita informação e de tacape na mão foi a luta. Percebeu que os mocinhos de branco não eram mocinhos, e que os vilões estão por toda parte. Fez um curso rápido de obstetrícia para leigos, muito útil para quem quer parir com respeito no reino verde e amarelo. Deixou de ser mocinha. Se tornou a chata. Questionava o antes inquestionável e, a medida que a barriga crescia, sua autoconfiança e empoderamento se multiplicavam. Conheceu gente mágica, trocou energias, conhecimentos e força. Olhou pra dentro de si e descobriu que era capaz. E amou cada segundo com seu barrigão, se sentindo poderosa e linda tomou consciência que vivia algo mágico e inigualável. E fingiu não ouvir as vozes dos que não enxergavam. Descobriu que tinha poder. Um poder que ninguém lhe podia roubar, que nasceu com ela. Encontrou-se com sua feminilidade. E se tornava a cada dia mais chata. E ela conseguiu, e sentiu a dor que era pra sentir, e descobriu uma força muito maior que a que achava que possuía, e por muitas horas se encontrou com seus instintos mais íntimos e nasceu novamente com aquele ser que saía de dentro dela. 
Ah, mas ela não sabia que ainda existia muita luta pela frente. O reino verde amarelo é cheio de robôs. O reino fabrica robôs. As grandes empresas, do alto dos seus castelos, precisam de robôs. E os robôs querem que todos sejam robôs. Mas a danada da mocinha, mais chata do que nunca, se nega a ser robô. Ela sabe que não precisa que ninguém lhe ensine a cuidar daquele que cresceu dentro dela, que saiu dela. Ela sabe que seu instinto de mamífera a guiará muito bem. Ela sabe que seu corpo aquece, ama e alimenta, sem limites, sem regras, sem hora marcada. A mocinha amarra seu novo ser no corpo, e sem largar o tacape, segue abrindo caminho na mata fechada da irracionalidade. E conhece mais  mocinhas que, como ela, desligaram o modo automático e não aceitam ser robôs. E formam uma tribo. E juntas são cada vez mais fortes. E juntas sonham com um reino verde amarelo diferente. E juntas revolucionam e vão a guerra. E se multiplicam. E se tornam cada vez mais chatas. E amedrontam quem precisa dos robôs pra viver. Ah, essas mocinhas...elas vão longe!